Por Antonia Tavares
O sol apenas observa, imóvel, enquanto as folhas das árvores balançam ao vento numa coreografia muito antiga, quase virgem. Acima, o céu se transforma: nuvens pesadas conspiram para derramar seis meses de chuva incessante sobre o mundo, embebedando o barro, afogando o que apodrece no ventre úmido da floresta amazônica. É dezembro.
Dizem – até mesmo em propaganda – que Chico era um cachaceiro. Mas, diga-me: que bêbado ofereceria a própria vida em sacrifício pela Mãe Terra? Quem, no fulgor da lucidez ou no alto do desvario, teria coragem de profetizar a morte diante do próprio túmulo? e de peito aberto perante a cavalaria toda armada? Chico Mendes foi queimado pelas costas. Nenhuma gota de orvalho no pasto cinza foi derramada – e agora é a soja, meu Deus, a soja – que se espalha feito praga sufocando o horizonte. E sem abelhas a zunir nas plantações a perder de vista.
E se você carregasse uma sentença de morte nos ombros, o que faria? Talvez, como Chico, buscasse nos goles de pinga a ilusão da fuga fugaz nos braços da Princesinha. Um instante de esquecimento. Uma trégua ao peso esmagador de uma luta infinita – e brutal. Mas, ainda assim, eu penso, questiono, rebato em meu íntimo: quanto vale a vida de uma árvore no mercado abrasador dos homens de negócio? E, indo além, quanto vale a vida de uma pessoa que ousou se tornar madeira de empate? Um tiro? Um gole de cachaça?
Ainda bem que o céu é azul. Ainda bem que existem estrelas.
Antonia Tavares é autora de Loucas e Bruxas, Bruxas e Loucas: contos e poeminhas, pela Editora 3 Serpentes
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