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Seu Correio trazia aquelas coisinhas que os regatões não traziam, por ser de pouco valor, não compensava

01/02/2022 às 10h11 Atualizada em 01/02/2022 às 13h06
Por: Redação Fonte: Acreaovivo.com
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Por Cecília Ugalde

O correio que eu conheci quando criança, não era uma instituição, nem era plural. Era singular mesmo: O Correio. E para as crianças, que tinham por obrigação respeitar e obedecer os mais velhos, “Seu Correio”. Esse era o nome de um homenzinho que vivia praticamente em uma canoa, rio acima, rio abaixo, levando e trazendo miudezas, cartas, bilhetes e recados para familiares, amigos e enamorados.

Os recados eram daqueles que não dominavam a leitura e a escrita, ou... de quem não tinham papel para escrever. Seu Correio memorizava e entregava o recado certinho. Na volta, levava a resposta.

Nessa época, rádio era privilégio de poucos e os meios de comunicação ainda eram bastante precários, assim, a chegada do Seu Correio era sempre bem-vinda. Se não tivesse rancho, logo a mãe matava uma galinha gorda e o convidava a ficar para a janta. Jantar regado à muitas histórias e informações.

Quando Seu Correio subia ou descia o rio, avisava mais ou menos o dia da sua volta, ou seja: o dia que provavelmente estaria passando por aquele seringal novamente. Por esse fato, muitas vezes tínhamos que esperar ou “pastorar” na beira do barranco quando a canoa do Seu Correio apontava na volta do rio, e assim, não perder a oportunidade de mandar a encomenda, fosse ela carta, bilhete, recado ou qualquer outra coisa.

Lembro-me muito bem de como ficava feliz ao avistar sua canoa e gritar:

- Mããeeee! Lá vem Seu Correio!  

Quando o rio estava muito seco, Seu Correio usava o varejão para empurrar sua canoa rio acima, mas se estivesse normal, ele usava o remo mesmo e na época do grosso inverno, quando o Purus estava alagado, ele não vinha. Daí ficávamos sem nada e os dias eram mais longos e mais tristes.

Seu Correio trazia aquelas coisinhas que os regatões não traziam, por ser de pouco valor, não compensava. Essas coisinhas consistiam de agulhas (de mão e de máquina de costura), elástico, linha para coser, bordar, fazer tarrafas, espinhéis caniços e tudo o que se fazia em uma época em que quase nada estava pronto. Também trazia rendas, gregas, sianinhas, botões, alfinetes, pentes, bastidores para as bordadeiras e as especiarias; condimentos como pimenta do reino, alho, cravo, erva-doce, cominho, alfazema, chá de sena, além das Pílulas de Vida, Jalapa-pião, Leite de Magnésia de Phillips, Sal amargo e uma infinidade de outras coisas que no momento não me ocorrem à memória.

Mas, Seu Correio não trazia só isso não. Seu Correio trazia algo que ninguém mais trazia. Ele tinha informações sobre tudo: quem morreu, de que morreu, como foi a morte; quem nasceu, se menino ou menina, como foi o parto, quantos dias tem...quem casou, com quem, quem está namorando... quem foi embora para a cidade, como vive lá, enfim... a vida de todos os ribeirinhos e moradores da cidadezinha era exposta durante o jantar. Mas não só isso: ali ele também sabia as notícias dos habitantes da redondeza que era para transmitir em outro seringal.

Seu Correio era um jornal ambulante.

Algumas vezes, quando o dia era chuvoso, Seu Correio cobria toda sua canoa com uma lona verde e grossa, pegava suas revistas e trazia para quem soubesse ler, fazer a leitura das notícias do mundo. Foi em uma dessas revista que vi fotos da rainha Elizabeth (Elizabeth Alexandra Mary, nascida em Londres21 de abril de 1926), e seus filhos, pela primeira vez. Nunca me esqueci.

Tudo isso era vendido, ou melhor: trocado por galinha, feijão, farinha, goma, jerimum, milho, batata doce e o que fosse possível carregar em uma canoa.

Seu Correio, que só há pouco tempo descobri que se chamava Filomeno, um dia comprou um motor de popa, um batelão e virou regatão.

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