Por Edir Figueira Marques
Pode-se dizer que a conjuntura econômica mundial, marcada pela Segunda Guerra, favoreceu o restabelecimento da segunda era da borracha, estagnada há trinta anos, desde que a Ásia se tornou hegemônica na produção do látex. Com o domínio dos japoneses naquela região, a Amazônia passou a ser alvo do interesse americano, como única fonte no ocidente a fornecer o produto tão necessário à indústria bélica.
Assim surgiu, na década de 40, o Banco de Crédito da Borracha, destinado ao financiamento da recuperação dos seringais nativos. E o Acre, já povoado por nordestinos fugidos das secas do sertão, teve grande incremento nesta nova fase de desenvolvimento econômico.
A instituição passou a ser, mais tarde, Banco da Amazônia – BASA, sustentada pela política de desenvolvimento da Amazônia Legal.
Essa estimada instituição bancária de grande importância, em especial para os seringalistas, foi responsável pelo que podemos chamar de “belle époque” acreana, restaurando a autoestima dos “coronéis de barranco” que voltaram a esbanjar sua frágil riqueza, acendendo seus charutos, com notas de um cruzeiro.
É claro que o BASA tinha a obrigação de fiscalizar o “seu” dinheiro que financiava a produção da borracha, a coleta da castanha do Brasil e a retirada de couros de animais nobres, como onças, jacarés e cobras, importantes na fabricação de sapatos e bolsas. As cabeças das caças eram empalhadas e exibidas como troféu, dependuradas na parede da sala do patrão, nos seringais.
Em pleno inverno amazônico (dezembro a março), o BASA enviava seus fiscais aos seringais para acompanhar a produção, que era paga anualmente. O seringalista pagava o débito com o produto in natura e retinha o saldo no terreiro do barracão, que ficava alastrado de pelas de borracha inundado com seu cheiro forte, aguardando melhor preço.
Esta era a cena em que se desenrolou a história a que vim contar.
O Sr. Roque arrendava do BASA o seringal Triunfo, na estrada de Plácido de Castro. Era um nordestino forte, fanfarrão, que gostava de prosear. Conhecido por sua fartura à mesa, tinha muitos amigos que apreciavam não só os pratos de carne de caça que servia, acompanhados de uma talagada de cachaça da boa, mas também das histórias que contava, nem sempre verídicas, quase sempre aumentadas por sua imaginação fantasiosa.
Sua produção era famosa, pois acompanhava de perto o trabalho dos seringueiros, compensando-os pelo maior esforço. Dizem que no BASA, sediado em Belém, está exposta a maior pela de borracha produzida no Acre, com 1200 quilos, oriunda do seringal Triunfo.
Pois bem, num desses invernos, o Sr. Roque foi avisado que os fiscais estavam chegando em visita a seu seringal.
- Estou preparado! Deixe comigo. Falou o esperto e experiente nordestino.
Deixou à vista os troféus, a enfeitar as paredes do barracão, sede do seringal, recordando cada caça que matou, tendo, para cada uma, sua história fantástica.
E ruminou o plano!
Os fiscais chegaram e foram logo reconhecidos pela aparência elegante, em contraste com as rudes vestes dos seringueiros.
Da porta do barracão, convidou-os a entrar e postou-se por detrás do balcão, onde um gato preto dormia. E foi logo dizendo:
- Comigo é assim! Pra seringueiro ladrão, pra onça pintada que vem comer meu gado no acero do campo e pra fiscal do BASA não tem perdão.
Pegou um terçado 127 e, num piscar de olhos, partiu o gato ao meio!
Apavorados, os fiscais não tomaram sequer o cafezinho! Pressurosos, embarcaram no jeep inglês, de cor verde, “cara baixa” e sumiram na estrada, respingando lama por todos os lados!
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