Por Maze Oliver
Há muito tempo, num seringal amazônico na beira do Rio Abunã, nas terras de Vila Plácido, município do Estado do Acre, que fica a cem quilômetros da capital Rio Branco, morava Rosa com a família: a mãe, o padrasto e duas irmãs mais novas. Rosinha, como a chamavam, era quem ajudava a mãe em tudo. Até mesmo aguar a plantação na época da falta de chuva, pois as plantas do roçado não podiam morrer de sede. Rosinha subia e descia barranco, enquanto o padrasto, novo e robusto, embalava-se numa rede.
Numa das visitas de tia Clara, irmã da mãe de Rosa, ela quase não acreditou quando viu Rosinha subir o barranco alto do rio, com uma lata d'água grande na cabeça e parar, estapafúrdia, na escada da porta de casa.
- Meu Deus, Rosinha, como você aguenta isso?
- Ah, madrinha, já tô é acostumada. Pior quando tenho que jogar água no milharal quando para de chover! Só para limpar a casa e lavar louça, nem ligo, não é nadica de nada!
- Isso não é serviço de "menina muier" não! Vou reclamar com sua mãe e levar você para a cidade.
Assim fazendo, a tia pediu para Rosa ir morar com ela na cidade. Cuidaria de suas crianças, era melhor ser babá, que subir barranco com lata e mais lata dágua na cabeça!
- Onde já se viu uma coisa dessa?! Era só o que faltava! - Pensou a tia.
Mesmo relutando, a mãe aprovou a ideia, a contragosto do padrasto. Ele argumentava que as outras meninas, irmãs de Rosa ainda eram pequenas demais para ajudar a mãe. Mas a tia foi insistente e conseguiu. Após um tempo já morando com a tia - madrinha na cidade, Rosinha começou a ficar doente: pálida, inchada e sem apetite. A tia, preocupada, deu chás, garrafadas e remédios caseiros pensando ser vermes. As vizinhas diziam ser o amarelão, a verminose que incha o buxo, dói a barriga, deixa a pele amarela, tira o apetite e mata!
- Ou então, é o impaludismo que Rosinha teve na colônia. Agora atacou o fígado da menina! - Diziam as fofoqueiras.
Tantos falatórios, tantos remédios: cozimento, cataplasma, unguento, até gotas de Sangue de Dragão, que diziam servir, inclusive, para Câncer. A mocinha nada de melhorar!
Um dia, Rosinha sentiu uma dor de barriga tão grande que foi um rebuliço na casa. Envolveu até as vizinhas que só viviam por lá. Depois de muito chá de hortelã e massagens, para surpresa de todos, Rosinha se arriou no chão. Da abertura de suas pernas saiu uma criança, diminuta, pequexita! Todos ficaram estupefatos diante do ocorrido e a madrinha, com as mãos na cabeça, logo perguntou:
- Quem é o pai desta criança, Rosinha? É de Moacir, meu marido?
E Rosa:
- Não. Fique sossegada! É de meu padrasto! Eu falei a verdade, mas minha mãe não acreditou em mim. Disse que eu era mentirosa e que o marido dela não tinha me feito mal nenhum. Que eu parasse de conversa!
Diante de fato tão triste, a madrinha procurou a polícia e deu parte do crime de estupro, que Rosinha, ainda menor de idade, havia sofrido. Claro, depois de ir correndo comprar roupinhas de bebê para o recém-nascido, tão pequenino, tadinho.
Passados uns dias, a polícia foi ao Seringal e trouxe preso o tal padrasto estuprador, que negou tudinho, dizendo ser conversa fiada de Rosinha, menina mentirosa! Naquela época, a lei era outra e o malfeitor foi condenado a ficar na cadeia até que Rosinha encontrasse um casamento. Rosinha teve depressão pós parto e não queria saber do menino, seu filho, de maneira nenhuma. Coitadinho, a segunda vítima do caso. A criança ficou sendo cuidada pela tia- madrinha, mas infelizmente não vingou e o bixim morreu aos quatro meses de idade.
E o padrasto estuprador? O indivíduo nasceu mesmo com aquele lugar virado para a lua, como falam por aqui. Ele teve muita sorte! Após dois anos de cadeia, Rosinha casou e ele foi solto. Apesar de ele ameaçar matar Rosinha quando fosse liberto, apanhou tanto no Xilindró, que quando saiu deixou a moça em paz. Não se sabe qual o mistério, mas Rosinha nunca engravidou do marido e terminou por adotar uma sobrinha. O marido jurava que era normal e fazia filho sim.
Mistérios da floresta, mistério da mãe da Mata. Outros por aqui dizem que foi o trauma.
BIOGRAFIA
Maze Oliver é escritora, blogueira e ativista cultural, acreana de Rio Branco. Pedagoga com especialização em Orientação Educacional pela Universidade Federal do Acre (UFAC). Acadêmica de Psicanalise Clínica (CHF). Primeira presidente e fundadora da Sociedade Literária Acreana (SLA), Imortal da Academia Acreana de Letras (AAL), membro também da AJEB (AC) e de várias outras academias brasileiras. Doutora H.C. em Literatura pela FEBACLA. Possui sete livros publicados, cinco deles no clube de autores, na internet. Com mais de vinte publicações em Antologias brasileiras e internacionais.
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