Por Edir Figueira Marques
Moravam numa pequena chácara, cuja terra tudo dava. Na horta, não faltavam o cheiro verde, o coentro e a salsa, a couve, a alface, o pepino, o tomate e a pimenta de cheiro. A chicória e o jambu nasciam como mato, nem era preciso plantar. Na época do verão, semeavam também a melancia e o jerimum que se esparramavam pelo chão.
No pomar, cresciam goiabeiras, ingazeira, mangueira, latada de maracujá, bananeiras, tanto a prata quanto a banana comprida, que ocupava sempre lugar de destaque no lanche da tarde, fosse frita, cozida ou feita mingau; e o cubiu, fruto amazônico de grande valor, com que faziam delicioso doce.
Além disso, criavam galinhas, porcos, tinham uma vaquinha para o leite das crianças e um “curral” onde engordavam alguns jabutis, excêntrica carne do mato, no tempo em que não era proibido, pois os havia em abundância.
Era antevéspera de Natal e a saborosa carne de porco seria servida como prato principal da grande noite! Para tanto, Dona Bezita havia cevado o suíno durante todo o ano. Além disso, sua banha seria derretida e utilizada por um bom tempo no preparo das refeições.
No início da adolescência, em seus doze anos de idade, irmão do meio, de seis outros garotos - afora as meninas - metido a sabido, Mauro se achou à altura dos manos mais velhos a quem sua mãe determinava a tarefa “própria de homem” de abater os porcos de sua criação. Queria surpreender a todos, principalmente a sua mãe. Provar que já era rapaz! Não esperou por Nilton, que tinha sete anos a mais que ele, e se meteu, sozinho, a exercer a difícil função de magarefe, para a qual, além de habilidade e prática, exigia uma certa força.
Derrubou o porco, amarrou-lhe as pernas e foi buscar o machado para dar-lhe uma bordoada na testa, com a costa da ferramenta, como via, por vezes, seu irmão executar.
Deixa estar, que o colega vizinho, querendo pregar-lhe uma peça, desamarrou o animal, em sua ausência, e ficou segurando-o.
O machado era pesado e exigia destreza para o golpe certeiro. É claro que o menino não acertou a pontaria e o porco levantou-se, saindo em disparada pela rua à fora. Nisso, seus irmãos Nilton e João iam chegando e saíram em correria atrás do animal que grunhia, assustado. A meninada foi se avolumando e quanto mais gritava “pega o porco”, “derruba o porco”, mais o danado fugia e, ao longo do trajeto, a turma de garotos aumentava para ajudar na perseguição.
Era hora da volta do trabalho para a casa. A avenida larga e comprida estava bem movimentada. O cevado ia derrubando quem lhe aparecesse pela frente. As mulheres corriam à janela para ver o que estava acontecendo, com tanta gritaria. Imaginavam que fosse porco do mato e, por sua vez, gritavam para que seus filhos entrassem em casa!
- Passem pra dentro! Este animal é “brabo” e perigoso! Cuidem!
Já tinham percorrido mais de quinhentos metros e o povo se aglomerando e a criançada correndo, numa verdadeira euforia, com a grande aventura. Até que o porco entrou na igreja, criando o maior alvoroço! A garotada invadiu a casa de Deus, em gritaria! Era a hora do Ângelus e o padre rezava o terço, acompanhado pelas senhoras e filhas de Maria. O porco passava espremido por baixo dos bancos. Algumas beatas desfaleciam, com tamanho susto!
O pobre animal, exausto, acabou por ficar acuado e não teve mais como fugir.
A salvação foi a chegada do Seu Raimundo Magarefe que vendia carne no Mercado Municipal. Resolveu pegar o animal que resfolegava, quase morto e o levou, dizendo que ficaria com o suíno, para recuperá-lo da adrenalina que envenenava sua carne, depois de tanto “sufoco”.
Foi assim que o porco se livrou de ser o prato principal da ceia natalina!
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