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Cultura Por Marcos Vinicius

Uma clareira na Floresta: História da formação de Rio Branco

Rio Branco se constituiu como a maior e mais importante cidade acreana, sendo por isso escolhida como a capital do antigo Território Federal e do Estado do Acre

28/12/2021 às 11h48 Atualizada em 28/12/2021 às 11h57
Por: Redação Fonte: Acreaovivo.com
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Inauguração do Mercado Municipal (atual novo Mercado Velho) – 1929
Inauguração do Mercado Municipal (atual novo Mercado Velho) – 1929

Por Marcos Vinicius Neves

A cidade de Rio Branco é o mais antigo núcleo urbano de todo o Acre. Na verdade, o seringal/povoado da Volta da Empreza (seu primeiro nome) é mais antigo que o próprio Acre na medida em que este só foi organizado legalmente a partir de 1904. E muito rapidamente Rio Branco se constituiu como a maior e mais importante cidade acreana, sendo por isso escolhida como a capital do antigo Território Federal e do Estado do Acre.

Uma das formas possíveis de compreendermos as características que a cidade assumiu ao longo de sua existência é pensarmos a cidade de Rio Branco em relação a sua história territorial, ao seu processo de ocupação do espaço e configuração de uma malha urbana diferenciada do meio florestal circundante.

1ª Fase – 1882 / 1908 – de seringal a cidade

Este primeiro período da história urbana de Rio Branco é marcado por três características centrais. A primeira diz respeito à transformação do seringal Volta da Empreza no povoado denominado Villa Rio Branco. A segunda característica é que foi exatamente nesta época que Rio Branco alcançou a condição de liderança política e econômica do Acre que lhe valeria posteriormente a condição de capital. Finalmente, a terceira característica fundamental da cidade nascente foi que neste período o seringal/povoado da Volta da Empreza – Villa Rio Branco esteve restrito a uma estreita faixa de terras na margem direita do rio Acre (atual 2º Distrito).

O Seringal Volta da Empreza foi fundado na margem direita do rio Acre, em 28 de dezembro 1882, pelo cearense Neutel Maia. Mas logo se diferenciou dos outros seringais da região ao se tornar um porto muito frequentado pelos vapores que transitavam pelo rio Acre. Neutel Maia criou então, já em 1884, uma casa comercial denominada Nemaia e Cia. A partir daí a Volta da Empreza deixou de ser um espaço privado (seringal) e assumiu características de um lugar publico (povoado). Com os eventos da Revolução Acreana assumiu uma condição privilegiada do ponto de vista geopolítico. E com a organização do Território Federal do Acre é elevada à condição de Vila com o nome de Rio Branco.

Temos, portanto, neste período pelo menos três fases distintas na história da cidade, a saber: 1ª Fase - 1882 / 1898 – durante a qual o seringal se torna um povoado e se consolida comercialmente na região; 2ª Fase – 1899 / 1903 – a Revolução Acreana torna a Volta da Empreza o centro do poder político no vale do rio Acre; 3ª Fase 1904 / 1908 – quando a Villa Rio Branco, ainda restrita à margem direita do rio Acre, consolida sua liderança política e econômica tornando-se a sede do Departamento do Alto Acre e tendo já em 1908 quatro bairros: o comercial, o bairro África, o Quinze e o bairro Canudos.

2ª Fase – 1909 / 1941 – Uma cidade dividida

Em 1909, em meio a um conturbado contexto político, o Prefeito Departamental do Alto Acre, o Cel. Gabino Besouro, decidiu tomar uma faixa de terras do Seringal Empreza situado na margem esquerda do rio Acre defronte à Villa Rio Branco. E nestas terras definiu um novo arruamento que começando na margem do rio seguia até o limite da atual Avenida Ceará. Nestas terras altas da margem esquerda Gabino Besouro quis fundar uma nova cidade chamada Penápolis, em homenagem ao presidente Afonso Pena, e que deveria se constituir na nova sede da Prefeitura Departamental do Alto Acre. Somada a essa estreita faixa urbana, entre 1909 e 1913 foram abertas três colônias agrícolas na região atualmente conhecida como baixada da Sobral.

Entretanto não havia como ignorar a Villa Rio Branco, do outro lado do rio, com toda sua pujança comercial e social, e, pouco tempo depois, os dois lados da cidade foram unificados e Penápolis passou a se constituir apenas em mais um bairro da agora “cidade” (1910) de Rio Branco situada em ambas as margens do rio Acre. Uma cidade dividida entre o lado oficial (1º Distrito, mais recente) e o lado comercial (2º Distrito, mais antigo).

Nem o acirramento dos movimentos autonomistas, nem a crise da borracha instalada a partir de 1913, foram suficientes para alterar significativamente o papel econômico e político de Rio Branco no contexto acreano. Pelo contrário, nesta época se consolidou o predomínio desta cidade frente às outras cidades acreanas, tanto assim que na reforma administrativa de 1920, que extinguiu os departamentos, coube a Rio Branco a primazia de se tornar a capital de todo o Território Federal do Acre centralizado. Com isso, Rio Branco garantiu maior volume de investimentos públicos o que a levaria, entre outras coisas, a concentrar metade de toda a população do atual Estado do Acre.

Podemos vislumbrar duas fases para este período da história urbana de Rio Branco, a saber: 1ª Fase – 1909 / 1930 –consolidação de Penápolis pela ocupação da malha urbana planejada entre o rio Acre e a atual Avenida Ceará; 2ª Fase – 1931 / 1941 – estagnação da expansão urbana tanto no 1º Distrito (ex-Penápolis), quanto no 2º distrito da cidade.

3ª Fase – 1942 / 1970 – Colônias/bairros uma cidade em expansão

A partir de 1942 com o início da Batalha da Borracha os seringais acreanos voltaram a produzir, o comércio voltou a prosperar e as cidades acreanas ficaram muito mais agitadas. E foi sob esse novo panorama que o Governador Oscar Passos efetivou em 1941 a compra das terras remanescentes do antigo Seringal Empreza (ao norte da atual Avenida Ceará) para a implantação de novas colônias agrícolas no entorno da cidade. Entretanto, até 1945 todos os esforços estavam direcionados para os seringais e pouca atenção sobrava paras cidades acreanas. Por isso, o plano de colonização organizado pelo Engenheiro Pimentel Gomes ficou quase paralisado, se restringindo a implantação de apenas duas colônias, em 1943: São Francisco e Apolônio Sales, sendo que esta esteve por alguns anos abandonada.

Só com o fim da Batalha da Borracha e o Governo Guiomard Santos, em 1946, foram implantadas outras colônias agrícolas em terras do antigo Seringal Empreza, num processo que se estendeu durante toda a década de 50 e 60. Nesse mesmo período uma parte das terras do Seringal Empreza contíguas a atual Av. Ceará foi definida como “Zona Ampliada” e dividida em lotes urbanos para a expansão da área urbana da cidade.

Foi nesse período, portanto, que Rio Branco alcançou algumas de suas atuais características urbanas. Os equipamentos instalados pelo governo territorial e as colônias agrícolas serviram como novos pontos de fixação urbana. A Cerâmica, o Aviário, a Estação Experimental, o Aeroporto Velho, a Colônia São Francisco, a Fazenda Sobral, a Colônia Custódio Freire, entre outros, deram origem a alguns dos bairros da cidade, revelando boa parte dos fluxos e processos sociais a que a cidade esteve submetida desde então.

4ª Fase – 1970 / 1998 – Invasões/bairros uma cidade em explosão

No principio dos anos 70 a conjugação da infinita crise do extrativismo e da Ditadura Militar teve efeito devastador sobre o Acre e suas cidades. Esta ultima através do governo Dantas (nomeado) decidiu mudar o eixo do desenvolvimento econômico regional estimulando a vinda de grandes empresas, fazendeiros e especuladores de terras para o Acre. Em pouco tempo um terço de todas as terras acreanas mudaram de mãos.

A frente de expansão da fronteira agrícola causou uma verdadeira implosão da estrutura social acreana na área florestal. O desmatamento promovido pelas madeireiras e a transformação dos seringais em fazendas levaram ao êxodo milhares de famílias que há décadas habitavam a floresta. Esse novo fluxo migratório campo-cidade promoveu uma verdadeira explosão das cidades acreanas, em especial de Rio Branco que por sua condição de capital atraia a maioria dos seringueiros, castanheiros e ribeirinhos expulsos de suas colocações em todo o estado do Acre.

Teve início então a pratica das “invasões”, nome regional usado para designar terrenos públicos ou privados que eram invadidos por trabalhadores para construção de moradias, dando origem a novos bairros populares sem nenhuma infra-estrutura básica. Nem mesmo as tentativas oficiais de reverter a política de atração dos “paulistas” para o Acre se revelaram insuficientes para deter o processo de migração do campo e o inchamento das cidades.

Muitos dos fenômenos sociais que estavam ocorrendo na área florestal do estado passaram a acontecer também em Rio Branco. É o caso, por exemplo, dos confrontos entre lideranças populares e grileiros de terras como os que levaram ao assassinato de João Eduardo em 1981, como já tinham levado a morte de Wilson Pinheiro em 1980. Ou seja, o nível de tensão social tanto nas florestas quanto nas cidades acreanas era extremamente alto então.

Neste período Rio Branco não cresceu, explodiu. Se ao longo de 90 anos de sua história as dinâmicas geradas na cidade tinham dado origem a pouco mais de uma dezena de bairros, entre 1970 e 1999 esse número iria passar de 150 bairros.

5ª Fase – 1999 / 2008 – Início do reordenamento urbano

A partir de 1999 começaram a se realizadas diversas intervenções na malha urbana de Rio Branco, especialmente nas vias estruturantes, modificando e melhorando os fluxos internos, bem como o acesso aos bairros mais distantes do centro. Além disso, obras de revitalização do sítio histórico da cidade e de implantação de equipamentos como o Parque da Maternidade e do Tucumã nos fundos de vale consolidaram um novo modelo de urbanismo que havia sido esboçado, ainda que timidamente, entre 1992 e 1996 pela prefeitura municipal. Mais recentemente a aprovação de um novo Plano Diretor mais adequado à realidade da cidade, bem como a elaboração do ZEAS (Zoneamento Econômico, Ambiental e Social de Rio Branco) e a efetivação de um Processo de Gestão Participativa (PGP), com alto grau de protagonismo pela sociedade, deixam entrever um período em que instrumentos de planejamento de longo prazo começam a resolver os muitos problemas acumulados ao longo do processo de formação de Rio Branco. Entretanto, por se tratar de processos muito recentes que estão em plena formulação e implementação será necessário aguardar mais algum tempo para compreendermos suas conseqüências na configuração da capital acreana.

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Marcos Vinicius Neves é historiador. Texto extraído de Histórias acreanas no Miolo de Pote, 2018.

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