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DIREITO SISTÊMICO | Uma visão de justiça que busca a real pacificação dos conflitos humanos

O Direito Sistêmico propõe uma visão de justiça que ao abordar o conflito considera todos os membros do sistema e a interdependência de suas relações, visando construir a solução mais adequada para a real pacificação

08/07/2021 às 19h25
Por: Redação Fonte: Acreaovivo.com
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DIREITO SISTÊMICO | Uma visão de justiça que busca a real pacificação dos conflitos humanos

Por Luciano Trindade

Um sistema é uma totalidade integrada, que se desenvolve na mútua interação de seus elementos. Tudo o que há na vida e no universo está inserido em sistemas, desde as células (microcosmos) até os planetas (macrocosmos). Assim também é com os múltiplos sistemas humanos (familiares, sociais, jurídicos, culturais, religiosos etc).

Desde a antiguidade já existia uma visão sistêmica da vida, através da observação da natureza e da compreensão que ao tocar num fio toda teia se move. Mas foi com a complexidade da sociedade pós-moderna que se tornou necessário maior desenvolvimento do pensamento sistêmico para compreensão da realidade. Então no Século XX diversos estudiosos contribuíram para desenvolvimento da Teoria Geral dos Sistemas, hoje aplicada tanto à natureza quanto à sociedade. Dentre outros, citam-se como exemplos Émile Durkhein, Ludwing Von Bertalanfy, Humberto Maturana, Francisco Varela, Niklas Luhmann, Edgar Morin, Fritjot Capra, Humberto Mariotti, Peter Senge etc.

No direito a aplicação da visão sistêmica é importante porque os conflitos sempre surgem nas relações humanas, num contexto de interdependência entre os membros de determinado sistema social. Isso significa que o conflito nunca atinge apenas duas partes isoladas e o que está em jogo nunca se resume apenas um valor financeiro.

A realidade demonstra que as verdadeiras causas da maioria dos conflitos são os desequilíbrios sistêmicos, os padrões defasados de comportamento mantidos por lealdades intergeracionais, as necessidades humanas não reconhecidas, os sentimentos silenciados, as memórias traumáticas conscientes ou inconscientes, enfim valores imateriais que muitas vezes sequer podem ser quantificados economicamente.

Então para construir uma solução eficaz para o conflito é necessária uma visão sistêmica que seja capaz de ver cada uma das partes no seu contexto sistêmico familiar, social e cultural, permitindo aos litigantes a compreensão de seus vínculos sistêmicos, de seus conteúdos psicoemocionais e de seus condicionamentos comportamentais.

Nesse sentido, o Direito Sistêmico propõe uma visão de justiça que ao abordar o conflito considera todos os membros do sistema e a interdependência de suas relações, visando construir a solução mais adequada para a real pacificação.

Para tanto, a atuação sistêmica do profissional do direito (seja juiz, advogado ou colaborador) é aquela que se coloca à disposição para auxiliar a parte ou cliente na compreensão das reais causas, dinâmicas e efeitos do conflito. E pode fazer isso se valendo das capacidades conferidas pelo pensamento sistêmico e pelas múltiplas metodologias sistêmicas, integrativas e restaurativas, tais como a comunicação não violenta, a constelação familiar, as práticas colaborativas, a justiça restaurativa, os círculos de construção da paz, a programação neurolinguística, o psicodrama, as perguntas circulares etc.

Nesse sentido, cito um case de prática sistêmica no direito, no qual a atuação do juiz e dos advogados possibilitou vir à tona o real interesse da parte.

O advogado ajuizou ação trabalhista para reconhecimento de vínculo empregatício do cliente, com pedido de verbas rescisórias e dano moral por demissão sem justa causa. Em sua defesa o reclamado negou o vínculo empregatício, alegando que o reclamante era vendedor autônomo.

Na instrução tanto o juiz quanto os advogados adotaram uma postura sistêmica, fazendo perguntas circulares e exploratórias sobre a relação entre as partes e os ganhos mútuos que obtiveram. Então emergiram as emoções de tristeza e raiva do reclamante, que não se conformava por ter sido “dispensado por recado” depois de ter sido o primeiro vendedor da empresa, de tê-la inserido no mercado e ter treinado os novos vendedores. Ainda assim, o reclamante reconheceu que a relação com a empresa foi importante para formar sua própria carteira de clientes. Por sua vez, o reclamado reconheceu o pioneirismo e a importância do reclamante para o crescimento da empresa.

Diante disso, com o atendimento da verdadeira necessidade do reclamante, que era o reconhecimento de sua contribuição no crescimento da empresa, as partes firmaram acordo para recebimento integral das últimas comissões de vendas, sem reconhecimento de vínculo empregatício.

Já fora da sala de audiência, as partes se abraçaram espontaneamente.

Para finalizar, percebemos que muitos profissionais da área jurídica já tem uma prática sistêmica mesmo que nunca ouviram falar do Direito Sistêmico. São profissionais dotados de grande empatia e que não se prendem a rótulos preconcebidos, buscando sempre trazer clareza das causas ocultas dos comportamentos.

Para um jurista sistêmico possibilitar que as partes compreendam o que realmente as motiva agir de determinada forma e o quanto cada um tem de responsabilidade no conflito é mais importante do que dizer quem supostamente está certo ou errado, pois é essa consciência que possibilita a real pacificação das relações humanas.

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