Por Luciano Trindade
O Dia do Índio, comemorado em 19 de abril, foi escolhido para lembrar a data de realização do Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, em 1940, na cidade de Patzcuaro, México, que reuniu líderes indígenas das diferentes regiões do continente americano e dialogar e zelar pelos seus direitos.
Primeiros habitantes do Brasil, na época dos descobrimentos os índios brasileiros eram cerca de 5 milhões, espalhados pelo país. Então o sistema colonial português buscou transformá-los em escravos agrícolas, com a segregação em engenhos e a privação da caça, da pesca e da luta contra os inimigos. A resistência dos indígenas aumentou a violência do colonizador e as populações indígenas perderam suas terras e sofreram um aniquilamento progressivo, muitas foram até dizimadas.
De acordo com o último censo do IBGE sobre os indígenas brasileiros, em 2010 formavam um contingente populacional de 896.917, cerca de 0,47% da população brasileira.
A Constituição de 1988 representou avanço importante do Brasil para criar um sistema de normas a fim de proteger os direitos e interesses indígenas, abandonando ideia preconceituosa e racista de assimilação dos indígenas pelos colonizadores, por considerá-los uma categoria social transitória, fadada ao desaparecimento.
O novo marco constitucional pretende substituir o modelo de tutela e assistencialismo pelo respeito à pluralidade étnica e o reconhecimento à autodeterminação econômica, social e cultural, conforme estabelece o artigo 231 da Constituição:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
O reconhecimento do direito dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam reafirmou que a posse das mesmas é anterior à formação do próprio Estado brasileiro. Essas terras são tanto aquelas habitadas em caráter permanente, quanto as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural conforme seus usos, costumes e tradições.
Embora em 1988 tenha sido estabelecido o prazo de 5 anos para que todas as terras indígenas do Brasil fossem demarcadas, até hoje não foi concluído esse trabalho e vários casos prosseguem em longas polêmicas políticas e jurídicas, prejudicando diversas populações indígenas que ainda não tiveram seus direitos assegurados.
Falando especificamente dos indígenas que vivem no Acre, são aproximadamente 20 mil indivíduos que representam 2,4 % da população do Estado. São oriundos de três grandes troncos linguísticos (Panos, Aruaques e Arawá) e compõem 15 etnias (Jaminawa, Manchineri, Huni Kuin, Kulina, Ashaninka, Shanenawa, Yawanawá, Katukina, Sayanawa, Jaminawa-Arara, Apolima-Arara, Shawãdawa, Poyanawa, Nukini, Nawas), além dos chamados “índios isolados” (não mantêm contato direto ou regular com a sociedade).
Segundo o sertanista e indigenista José Carlos Meirelles, a luta e a organização dos índios do Acre fez com que hoje mais de 80% de suas terras estejam demarcadas. São 34 terras indígenas reconhecidas pelo governo federal e distribuídas entre 11 dos 22 municípios acreanos.
Com a maioria da população vivendo nessas terras, atualmente muitas lideranças indígenas do Acre buscam assegurar a preservação, a sobrevivência e o desenvolvimento das aldeias aliando e integrando suas tradições culturais com as novas possibilidades advindas da interação com o Estado e a população não indígena.
Há aldeias onde as tradicionais atividades de caça, pesca e coleta tem sido incrementadas com o cultivo de banana, milho, abacate, mandioca, açaí etc e criação de abelhas e peixes.
O crescimento do comércio de artesanato indígena também é uma novidade auspiosa, a exemplo das pinturas kenê e das imagens da flora e da fauna que nas cidades podem ser vistas desde a estampa em roupas de grifes famosas até lindas pulseiras de misanga.
Muitas etnias também tem incentivado seus membros mais jovens tanto a praticar antigos conhecimentos e rituais ancestrais quanto a estudar no ensino formal e buscar formação em profissões como agronomia, administração, enfermagem, medicina etc. Essa visão de integração de culturas possibilita que hoje existam casos em que aldeias bastante distantes, que só são alcançadas com 2 dias de viagem de barco, estejam conectadas online com o mundo através da internet.
Também é muito interessante que o conhecimento ancestral da “medicina da floresta”, que visa proporcionar saúde e bem-estar integral (corpo, mente e espírito), hoje possa ser apresentado tanto nas aldeias quanto nas cidades e até no exterior, seja através dos produtos naturais como a copaíba, o sangue-de-dragão e o mururé, seja em rituais de cura realizados pelos pagés com que invocação da força dos animais de poder e a aplicação das medicinas sagradas (ayahuasca ou "Uni", kampô, rapê, sananga).
Enfim, a despeito do racismo étnico que provocou tantas atrocidades no passado, das injustiças que ainda ocorrem no presente e de certas ameaças ao futuro, o Dia do Índio hoje é motivo para comemorar os avanços alcançados à causa indígena na Constituição de 1988, o que se deve, principalmente, à visão, organização e luta os próprios índios, sem deixar de valorizar a contribuição de tantos não índios.
E buscar a concretização definitiva dos avanços constitucionais a todos os povos indígenas representa nosso reconhecimento à riqueza da cultural daqueles que nos precederam em solo brasileiro, cujos saberes transcendem as inovações tecnológicas e se perpetuam nos tempos atuais.
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