Por Jairo Lima
Alegoria de carnaval com pandemia não dá liga, não facilita o enredo. A bateria atravessa, o samba não evolui e descolore a passarela. Sim, porque a pandemia enseja afastamento, distanciamento social. O carnaval, ao contrário, é ajuntamento. Carnaval é movimento de partilha e comunhão de alegria, de folia e transe coletiva. Carnaval é não estar só.
Então como viver o domingo de carnaval igual a andorinha atravessando o deserto do Saara? Não há brincantes sassaricando pelas ruas, nem mil palhaços no salão. E se fosse sincera, a colombina Aurora faria “home micareta”. Assim evitaria a turma do funil, o empréstimo evitável e ainda guardava um dinheiro aí. Além disso, todos sabem que a galera do Zé Pereira não usa máscara negra e pode facilitar a transmissão do vírus.
Carnaval com pandemia não tem abre alas nem mamãe eu quero. O melhor neste momento é ficar em casa. Você pode até pensar que cachaça é água, que água lava tudo e, portanto, as águas vão rolar. É da rima, mas quem sabe, sabe. O cordão do bola preta ficará na porta da Colombo, e não sairá. A mulata bossa nova também ficará em casa e não haverá linda morena no bloco do sujo. E não adianta dizer: eu fiz tudo pra você gostar de mim ou é com esse que eu vou. Ela sabe que o risco não compensa e que há muito pierrô apaixonado por aí. Está chegando a hora da vacina, sim. Mas a vacinação está em cadência de valsa e é melhor prevenir, resistir um pouco mais e garantir a vida de todos. Se é para ficar todo mundo de ressaca, que seja ressaca de beijos e de abraços.
O domingo e o carnaval vão passando lentamente em ritmo de preguiça. Na ponta leste do horizonte a madrugada apresenta a sua comissão de frente. Do outro lado, a lua dos namorados não vai para Maracangalha e permanece inteira no céu. Abro a janela na triste madrugada e vejo a jardineira apressada para buscar o pão. Percebo então a visita daquela velha saudade insistente de tantos carnavais passados. Impossível desfazer o aperto no compasso do coração e cheio de sentimentos conflitantes, tomara que chova três dias sem parar.
De súbito, a luz difusa da madrugada de segunda-feira reflete a imagem emoldurada sob a bandeira branca. É a minha Maria bonita que, por certo, ainda dorme. Fizemos tantos planos, partilhamos tantos sonhos. Este ano seria o nosso carnaval. Mas aí veio a pandemia e mudou tudo. Precisamos reajustar o passo e entrar no compasso, afinal ainda é carnaval. Por fim, ficamos assim: ela de lá e eu de cá até quarta-feira, porque hoje, meu bem, nós vamos brincar separados.
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