Está sendo compartilhada nas redes sociais uma charge onde a filha diz ao pai que lê jornal: “Não pai! esta é uma notícia falsa.”
E o pai retruca: “Como pode ser falsa se diz exatamente o que eu penso?”
Isso é o fiel retrato daquilo que estamos vivendo. Mais do que nunca a realidade é aniquilada pelas verdades construídas.
O ser humano mente para si que é racional. Na verdade é totalmente emocional e condicionado por crenças e padrões de seu contexto, só que não percebe nem sabe disso. Nossas decisões, escolhas e atitudes são puramente emocionais e inconscientes. Depois ficamos racionalizando argumentos para justificar.
Nesse exato momento grande parte das pessoas está obsessivamente procurando provas que se ajustem à suas verdades, buscando argumentos que justifiquem seus pontos de vista. É incrível como elas sempre encontram aquilo que lhes convém.
Agora mesmo há centenas de matérias/artigos/estudos favoráveis e desfavoráveis sobre o uso de cloroquina contra a COVID-19, sobre a eficácia ou ineficácia do distanciamento social/quarentena, sobre o comportamento dos políticos, sobre a corrupção etc. Contudo fica a impressão que todo esse material não tem qualquer utilidade para fomentar a reflexão e ampliar a percepção da realidade, servindo apenas fortalecer os argumentos das verdades já sabidas, sejam elas quais forem.
Quem é a favor cada vez mais fica a favor. Quem é contra cada vez mais fica contra. Por mais informações, notícias e argumentos que existam, nunca vi ninguém mudar de opinião.
As notícias e informações favoráveis às nossas crenças trazem uma sensação de bem-estar, são as que tem importância e merecem ser compartilhadas. Já as que questionam ou contrariam nossas verdades causam mal-estar e não merecem crédito.
Ocorre que como somos todos limitados, cada um enxerga o mundo do seu ponto de vista, da sua caixa. Assim, seja quando fazemos escolhas ou quando nos relacionamos com os outros, valorizamos aquilo que cabe na nossa caixa e excluímos aquilo que é diferente ou desconhecido. E dessa forma aprofundamos nossa própria limitação.
David Bohm, no livro “o pensamento como um sistema”, demonstra que todas as ideias e pensamentos que acreditamos ter não são nossos e já pensados por alguém (sistema). O pensamento sobre as coisas é um produto cultural ao qual aderimos cega e inocentemente.
O mito da Caverna de Platão mostra como é complexo olhar fora da caixa. E quem se abre para ampliar sua percepção corre o risco de ficar sozinho.
Já a segurança e a companhia nos trazem grande conforto. Preferimos nos enturmar, mesmo que seja preciso criar inimigos. Por isso, gastamos nossa vida coletando provas que reafirmam nossas verdades.
O resto é fake news.
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Luciano Trindade é Advogado, Presidente da Comissão de Direito Sistêmico
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