No dia 08/10 foi publicada a Resolução OAB-AC 56/2019, pela qual o Conselho Seccional da OAB/AC criou a Comissão de Direito Sistêmico. Por oportuno, destaco algumas das razões que motivaram sua criação.
Sabemos que para sobreviver e se desenvolver o ser humano necessita de convivência e interação, o que gera tensões e conflitos entre os indivíduos. A própria história da humanidade geralmente é contada através datas e períodos de guerras.
E no contexto de um Brasil multirracial, com grande diversidade cultural e economicamente estratificado, sempre existiu uma latente litigiosidade e o Poder Judiciário historicamente não tem conseguido atender sua demanda com a prontidão e qualidade necessárias.
Por isso já em 2004 a Reforma do Judiciário e a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ criaram mecanismos para agilizar o julgamento de processos. Além disso, nos últimos 15 anos tem havido grande incremento de tecnologias de inteligência artificial no meio jurídico, tais como implantação de processos eletrônicos, realização de audiências por videoconferência, oferta de avançados softwares jurídicos de advocacia etc.
Apesar disso, o relatório anual Justiça em Números, do CNJ, aponta que no Brasil a cada ano são abertos cerca de 30 milhões de processos judiciais e que há um acúmulo de 80 milhões de processos no Poder Judiciário. E uma das causas desse elevado número de demandas judiciais é a abertura de novos processos sobre conflitos que de fato não foram solucionados em julgamentos anteriores, realizados de forma mecânica, automatizada e com foco no atendimento de metas formais, mas sem alcançar as reais causas do conflito.
Embora a automatização de procedimentos jurídicos tenha trazido certa agilização no julgamento formal de litígios, tem sido constatado que o encerramento do processo nem sempre soluciona o conflito entre as pessoas.
Por mais que a inteligência artificial possa auxiliar as atividades humanas, seu alcance vertical do conflito é limitado, pois os recursos tecnológicos operam exclusivamente no modelo lógico-mecanicista de pensamento, baseado na dualidade certo x errado. Isso serve perfeitamente para lidar com máquinas: elas funcionam ou não funcionam, estão consertadas ou quebradas, são úteis ou descartáveis. No entanto, para compreender e lidar adequadamente com o ser humano o modelo lógico-mecanicista é insuficiente, sendo necessário utilizar modelos complexo-sistêmicos.
Na dimensão individual cada ser humano em si já é extremamente complexo devido aos conteúdos psicológicos inconscientes que são armazenados no cérebro emocional (límbico) desde as primeiras semanas de gestação, ainda no útero materno. E na dimensão coletiva cada pessoa provém de um sistema familiar distinto e está inserida em inúmeros sistemas sociais que tem seus padrões ocultos de comportamento, que exercem profundas influências sobre o indivíduo.
Ademais, o comportamento de cada pessoa sempre está vinculado a outros indivíduos que compõe seus sistemas, de forma que os problemas e conflitos sempre surgem na dimensão relacional e decorrem de um contexto sistêmico de interdependência e múltiplas influências invisíveis. Nesse sentido, os modelos complexo-sistêmicos de pensamento tem demonstrado que problemas e conflitos nunca tem uma única causa, mas sim emergem forçados por várias causas sistêmicas e relacionais ocultas. Significa dizer que quando emerge uma dificuldade ou conflito, o indivíduo aparentemente problemático não é o único e exclusivo responsável. Num contexto sistêmico, relacional e interdependente, todos os elementos se influenciam e ao mesmo tempo todos tem algum benefício e alguma responsabilidade nas dinâmicas e nos eventos sistêmicos.
Com isso fica clara a insuficiência do pensamento lógico-mecanicista para compreensão e real resolução de conflitos humanos, pois tal modelo de pensamento é dual, sempre busca uma única causa, um único responsável e, consequentemente, acredita que para resolver um problema basta eliminar, substituir ou excluir o elemento tido por problemático.
Entretanto, assim como um anestésico não cura a doença e ela reaparece se suas causas não são tratadas, os conflitos também ressurgem quando se tenta solucioná-los trocando ou excluindo algo que é aparente, porém sem olhar e reequilibrar as dinâmicas sistêmicas ocultas.
Inexplicavelmente processos de inventário se prolongam por anos com litígio entre filhos herdeiros, onde cada um imagina estar honrando seus pais. Casais que se uniram, se amaram, tiveram filhos e viveram anos maravilhosos, acabam litigando em processos intermináveis supostamente por bens patrimoniais ou pela guarda de filhos. Geralmente os bens materiais são a ponta do iceberg, porém as reais causas do conflito são questões sistêmicas desequilibradas que permanecem ocultas. Se em algum momento aquilo que está invisível for olhado os nós se transformam em laços, o conflito se converte em solução e se restauram as relações.
Nesse contexto, o direito sistêmico não é um novo ramo jurídico que visa tratar de determinados conflitos humanos e sociais. O seu diferencial não é O QUE fazer (aplicar a lei), mas sim COMO fazer a aplicação da lei.
O Direito sistêmico visa abordar sistemicamente o conflito, seja qual for sua natureza. Isso pode ser dar apenas com a postura sistêmica do operador do direito ou também com a utilização adequada de ferramentas e métodos que ampliam a consciência das partes para as reais dinâmicas causadoras do conflito e a co-responsabilidade de cada uma.
Nas palavras do Juiz Sami Storch, pioneiro na utilização da constelação familiar para solução de conflitos e no uso da expressão direito sistêmico, trata-se de “uma visão sistêmica do direito, pela qual só há direito quando a solução traz paz e equilíbrio para todo o sistema”.
Nesse sentido, o direito sistêmico se insere no contexto jurídico a serviço da consensualidade, na linha da preferencial resolução pacífica de conflitos preconizada pela Constituição Federal, pelo Código de Processo Civil, pela Lei de Mediação, pela Resolução do CNJ nº 125/2010 e pelo Código de Ética da Advocacia, fornecendo diferentes métodos, técnicas e meios sistêmicos de solução, adequados à natureza e peculiaridade de cada conflito, tais como a Constelação Sistêmica, a Comunicação Não Violenta e a Justiça Restaurativa, que podem ser adotados inclusive nos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC’s) e os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC’s).
Atualmente em franca expansão, o direito sistêmico tem sido elogiado e recomendado pelo CNJ, já existindo no país dezenas de juízes e centenas de advogados atuando com uma postura sistêmica diante das partes e clientes, bem como há projetos e práticas oficiais em 19 Tribunais de Justiça dos Estados, além de outras esferas do Poder Judiciário, tais como a Justiça Federal em Florianópolis e a Justiça do Trabalho em Goiânia e Maceió.
E no contexto do Sistema OAB, a Comissão de Direito Sistêmico da Seccional do Acre se junta à Comissão Especial do Conselho Federal, a outras 15 comissões de âmbito estadual e mais de 80 comissões criadas em subseções espalhadas por todo o país, com o objetivo de expandir o pensamento sistêmico junto aos profissionais do direito no Estado do Acre e disseminar práticas sistêmicas e restaurativas para solução adequada de conflitos.
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