Apesar de muito se falar que a corrupção, a criminalidade, a violência doméstica, o analfabetismo e a drogadição serem problemas sistêmicos, essas questões geralmente são tratadas de forma pontual e com medidas isoladas e desconexas, sem uma visão sistêmica compatível com sua complexidade.
Assim as dificuldades existentes nas famílias, nas organizações ou na sociedade se tornam repetitivas e se transformam em padrões, pois são questões complexas e sistêmicas, porém as soluções oferecidas são meramente racionais e mecanicistas.
O modelo de pensamento racional-mecanicista, ou cartesiano, é aquele concebe um problema como o efeito direito e automático de uma causa única e exclusiva. Esse modelo de pensamento é excelente para fazer cálculos (2 + 2 = 4) ou para lidar com problemas em coisas e objetos (exemplos: trocar uma lâmpada queimada, montar um relógio, trocar a peça de um carro).
Ocorre que o ser humano não é uma máquina, nem se limita às dimensões física e racional. Acima de tudo as pessoas são seres emocionais. A partir da quinta semana de gestação o ser humano já sente as 5 emoções humanas básicas (alegria, tristeza, raiva, medo e vergonha). Essas emoções experimentadas desde o útero materno e ao longo da vida vão formando memórias emocionais inconscientes que condicionam a forma como percebemos o mundo e nos comportamos nas relações interpessoais. A própria neurociência comprova que todas as nossas decisões e atitudes, desde em quem votamos, com quem casamos e a profissão que escolhemos até a roupa que vestimos e a comida preferida, são escolhas emocionais. O racional só serve para criar explicações e justificativas.
Isso explica porque temos valores e comportamentos diferentes uns dos outros. Cada um de nós tem experiências de vida e memórias emocionais diferentes, conforme o contexto de cada um. Assim, diante do mesmo acontecimento cada pessoa interpreta e dá seu próprio significado, conforme suas memórias emocionais inconscientes.
Mas não é só isso. Nós também pertencemos a diferentes sistemas (família, nação, religião, profissão etc) e tendemos a ser leais aos padrões e regras dos sistemas a que pertencemos.
Compreender que somos seres emocionais e vinculados aos padrões dos sistemas que pertencemos é fundamental para perceber que o pensamento racional-mecanicista é insuficiente lidar com a complexidade das questões humanas. Com efeito, o pensamento racional-mecanicista é limitado para cuidar adequadamente dos problemas interpessoais e organizacionais.
Se tentamos resolver problemas na família, nas organizações ou na sociedade de forma racional-mecanicista, nos limitamos a buscar uma causa imediata e aparente. Então logo elegemos o indivíduo de comportamento “problemático” e buscamos sua correção ou exclusão.
Exemplo: quando uma equipe de futebol não vence jogos, mecanicamente alguns jogadores são substituídos ou o técnico é demitido. Isso pode até ter algum impacto inicial, mas logo o antigo padrão do sistema retorna e o time continuará com derrotas. E isso acontece nos relacionamentos, nas empresas e organizações.
O pensamento racional-mecanicista não consegue perceber que os problemas nas relações humanas e organizacionais não são causados por questões pessoais ou comportamentais. Na realidade, aquilo que parece ser o problema não é o problema. Um comportamento “problemático” na verdade é o sintoma (efeito) de várias causas sistêmicas problemáticas.
Quando um indivíduo manifesta um comportamento considerado “problemático”, em regra ele está servindo como um verdadeiro alerta de que o sistema familiar ou organizacional não vai bem e algo deve ser mudado para sua preservação.
Dizemos que as “ovelhas negras” da família ou da organização são indivíduos que inconscientemente se sacrificam pelo grupo que parou no tempo, que está preso inconscientemente a padrões ultrapassados e que precisa abrir-se para captar novas informações e interagir com o meio ambiente, sob pena de atrofiar, definhar e sucumbir.
A verdadeira causa dos problemas humanos, sejam individuais ou coletivos, familiares ou organizacionais, sempre é sistêmica e relacional, ou seja, perpassa a postura e comportamento de todos os membros do sistema e tem a ver com os desequilíbrios ocultos nas suas relações.
Há muito tempo a teoria geral dos sistemas (Bertalanfy, Maturana e Varela, Niklas Luhmann) já comprovou que num sistema o todo influencia as partes e cada parte influencia o todo. Logo, questões importantes para o funcionamento e a sobrevivência do sistema nunca estão relacionadas a um único e exclusivo membro, mas sim às dinâmicas sistêmicas que muitas vezes permanecem ocultas. O indivíduo que apresenta o “comportamento problemático” nunca é tão forte e poderoso para sozinho causar dificuldades do sistema.
Quando um sistema em crise é submetido a um olhar mais amplo e profundo, certamente se revelam dinâmicas (até então ocultas) que demonstram que todos os membros, cada um a seu modo, tem responsabilidades e ganhos com o problema sistêmico.
Mas essa visão mais ampla e profunda não se adquire com o limitado pensamento racional-mecanicista. É necessário avançar para o modelo de pensamento complexo-sistêmico, abrindo-se mão do método analítico para o exploratório, deixando-se os efeitos para buscar as causas, tirando o foco do indivíduo para olhar o sistema integral.
Nesse sentido, cada vez mais líderes, gestores, empresários, consultores, treinadores, empreendedores e todos os interessados em desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional estão percebendo que a complexidade e volatibilidade das relações humanas e sociais exigem modelos de abordagem que incluem o pensamento complexo-sistêmico como forma de percepção do comportamento humano individual e coletivo.
E uma das ferramentas que permite essa abordagem complexa-sistêmica é a constelação sistêmica-organizacional, que vem auxiliando o trabalho de professores, juízes, advogados, médicos, psicólogos, empreendedores e gestores públicos e privados em temas diversos, tais como: solução de conflitos através de negociações e conciliações, identificação da causa de problemas complexos nas organizações, percepção de contextos ocultos, visualização de novas possibilidades de melhoria etc.
A constelação sistêmica-organizacional é uma evolução da técnica de constelação familiar desenvolvida pelo terapeuta alemão Bert Hellinger, que através da observação das histórias familiares de seus clientes descobriu que muitos problemas e dificuldades estavam ligados a situações e conflitos vivenciados por membros anteriores do grupo/sistema familiar. Ao descobrir os 3 princípios fundamentais dos sistemas de convivência humana (direito de pertencimento; equilíbrio entre dar e receber; e ordem hierárquica ou lugar adequado de cada um), Hellinger desenvolveu o conceito de simetria oculta do amor, que é a ligação inconsciente de cada membro ao seu sistema, onde naturalmente o indivíduo sente leveza e sentido na vida. Com isso, tornou-se possível compreender que por lealdade oculta aos nossos ancestrais, nós temos a tendência de inconscientemente repetir os passos dos membros anteriores do nosso grupo familiar.
O interessante é que ao longo do tempo os profissionais que trabalham com constelações passaram a perceber que essa ferramenta pode ser usada em todas as áreas das relações humanas e nos contextos familiar, social e organizacional. Exemplo disso é o do Juiz Sami Storch, do Tribunal de Justiça da Bahia, que há mais de 10 anos usa a constelação para auxiliar a pacificação e conciliação de conflitos familiares judicializados, sendo que a partir desse trabalho vanguardista e já reconhecido até internacionalmente, hoje mais de 20 Tribunais de Justiça no Brasil tem integrado profissionais consteladores aos seus núcleos de conciliação e mediação, reconhecendo-se que a constelação sistêmica é uma ferramenta que possibilita alcançar a paz real e efetiva a todo o sistema, seja familiar ou organizacional.
No âmbito das organizações a constelação sistêmica pode ser usada em empresas privadas ou instituições públicas sempre que existirem problemas sistêmicos, como por exemplo: a organização não se desenvolve, os clientes desaparecem, não se consegue inovar os produtos, os funcionários estão em permanente conflito, a liderança se sente sobrecarregada e sem apoio dos colaboradores, alto índice de turn over, um serviço ou produto considerado excelente inexplicavelmente não tem demanda, etc.
Com uma abordagem de visualização ampla através da constelação sistêmica-organizacional consegue-se descobrir dinâmicas que estão funcionando de forma oculta nas instituições ou empresas e causando problemas complexos, bem como se possibilita a ampliação da visão dos envolvidos, revelando soluções de grande impacto que antes não eram vistas.
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Luciano Trindade é Advogado e Constelador Sistêmico
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