Por Socorro Camelo*
O que você tem feito da vida?
Talvez a pergunta certa seja: com quem você tem deixado de vivê-la.
Porque a verdade é que a gente troca.
Troca presença por prazo.
Silêncio partilhado por ruído produtivo.
O agora por um depois que, às vezes, não chega.
O ser humano é, com frequência, um especialista em escolhas duvidosas. E não por falta de aviso. A vida vive tentando ensinar com bilhetes discretos, silêncios eloquentes, olhares demorados. Mas a gente insiste em se fingir de surdo.
A vida não grita.
Ela sussurra.
Ela senta no sofá, olha o relógio, espera o filme começar. E espera. Espera como quem só quer dividir a pipoca, rir do roteiro, comentar o figurino. Ela não exige muito, as vezes só a sua presença inteira.
Mas você está ocupado, claro. Sempre há algo a terminar, responder, corrigir.
E assim, dia após dia, vamos trocando o raro pelo urgente.
O insubstituível pelo adiável.
O amor pelo expediente.
Preferimos correr.
E-mails, metas, agendas que se alimentam do nosso tempo como bichos famintos.
O que não cabe na lista de tarefas, a gente adia.
Um filme com alguém que nos ama? Depois.
Um café sem pressa? Depois.
Uma conversa inteira, sem olhar no celular? Raridade.
Vivemos como se o tempo fosse um drive com backup.
Como se as pessoas fossem arquivos salvos na nuvem, prontos para serem acessados a qualquer hora.
Mas não são.
A vida tem o mau hábito de não esperar.
E também não manda alerta quando está prestes a mudar de forma.
Um dia, aquela voz familiar para de chamar. O colo vira cadeira vazia.
O filme nunca começa.
E no meio do silêncio, nos damos conta de que talvez tenhamos trocado demais: Presença por desempenho.
Conexão por sinal de wi-fi.
Amor por produtividade.
Ironia das ironias: somos excelentes profissionais e, às vezes, péssimos humanos.
Fazemos pós-graduação em excelência e somos analfabetos emocionais.
A gente não sabe medir a importância das coisas no momento em que elas acontecem. Só depois.
Depois é que percebemos que havia um tesouro escondido naquela hora comum e que não pegamos. Porque estávamos… ocupados.
A vida é frágil.
Não como um vaso.
Mas como um gesto que não se repete.
E quando a gente for embora, porque vamos, do que será que vamos sentir falta?Do salário?
Do projeto que nos roubou noites a fio?
Ou de um dia simples, com pipoca e um colo que só queria companhia?
Quando a gente for embora, ninguém vai pendurar na parede a meta alcançada, o e-mail eloquente, o projeto enviada às 23h. Mas talvez alguém se lembre da noite em que você disse: Hoje não. Hoje eu fico.
E ficou.
E isso seja bonito o bastante para atravessar o tempo.
Socorro Camelo é jornalista e escreve nesse espaço sempre que o coração empurra a tecla.
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