Por *Socorro Camelo
Algumas pessoas chegam e, sem grandes alardes, recolocam no lugar partes nossas que estavam soltas. Isabelle chegou assim como quem traz, dentro da mala, um mapa afetivo que andei sem consultar e um olhar de quem enxerga vínculos onde antes havia só distância.
Veio de Belém trazendo não só a mala e o sorriso, mas algo maior: uma ponte. A ponte entre mim e uma parte da minha família que, confesso, andava distante.
Nomes soltos, histórias mal contadas, afetos encolhidos pelo tempo. E aí veio a Belle.
Chegou sem prometer nada e me ofereceu tudo.
Desde o primeiro instante, ocupou a casa com gestos pequenos e imensos.
Me apresentou os personagens da história que é também minha: mostrou vídeos, apontou nomes, contou histórias, enlaçou lembranças. Me fez ver que ainda há laços possíveis e que cultivar afeto é uma escolha que se rega com gestos simples e doces. Exatamente como ela é.
Meiga, amorosa, encantadora. Passou boa parte das noites aqui em casa, conversando até altas horas com a Mari. E eu, nos bastidores, assistindo ao milagre silencioso da afetividade. Em poucas horas, a casa se encheu de ternura. Uma ponte sendo construída entre o que fui e o que posso voltar a ser com os meus.
Os que estavam envoltos numa névoa de nomes e histórias que o tempo desfocou, Belle trouxe de volta. Veio como quem sopra essa névoa com delicadeza me fazendo enxergar de novo.
Me explicou laços, com paciência, dizendo quem é quem. Não para cobrar presença, mas para convidar ao pertencimento.
Fez isso sem imposição, com carinho e respeito pelo espaço que não foi ocupado antes. Como quem entende que, para pertencer, é preciso querer mas também é preciso que alguém nos convide.
Ela nasceu no mesmo dia que eu. Um acaso que talvez seja sinal.
Essa menina meiga, que carrega amor pela família como quem carrega flores no peito, me ensina que não é tarde para reaprender a amar o que é nosso. Que estar com quem a gente ama é o sentido de quase tudo. E que a família, ainda que às vezes fragmentada, é sempre território fértil para reconexão.
Talvez por isso, ou por obra do acaso que a vida disfarça de destino, ela tem me feito lembrar de quem eu sou. Ou de quem posso voltar a ser.
Tem um jeito bonito de mostrar que ainda há espaço para recomeçar relações. Que há beleza em reencontrar raízes, mesmo quando a terra parece endurecida pelo tempo.
Ela nem sabe, mas estar com ela me fez perceber que existe um lugar entre o que se perdeu e o que ainda pode ser construído. E que esse lugar se chama agora.
Fez isso com doçura, sem pressa, como quem rega.
E, sem saber, acabou me replantando.
Talvez seja isso que os mais sensíveis fazem: nos replantam.
E eu, que andava com raízes fora de lugar, agora floresço um pouco mais inteira graças a essa menina linda que veio de Belém para me lembrar de onde vim.
*Socorro Camelo é jornalista e escreve nesse espaço quando dá na telha.
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