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O sonho no modo soneca

Sinto como se minha energia para sonhar estivesse no modo economia e o botão para recarregar tivesse sumido

10/06/2025 às 17h36 Atualizada em 10/06/2025 às 18h05
Por: Redação Fonte: Redação
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O sonho no modo soneca

Por Socorro Camelo*


Outro dia me peguei pensando: acho que estou apagando. Não como quem desmaia, mas como quem vai escurecendo aos poucos, igual luz de corredor com sensor de presença e, convenhamos, já faz tempo que ninguém repara que eu passo por aqui.

Não é tristeza. Também não é drama. É uma espécie de cansaço cansado, desses que nem o sono resolve. Sinto como se minha energia para sonhar estivesse no modo economia e o botão para recarregar tivesse sumido junto com aquele brinco que eu adorava e nunca mais encontrei. (Talvez esteja no mesmo buraco negro onde vão parar as meias sem par e as vontades que deixamos para depois.)

As mulheres não estão cansadas, as mulheres estão exaustas. De fazer tudo. De fazer bem. De fazer com amor. E ainda assim ter que explicar por que fizemos. Ou por que não fizemos mais.

Nós, mulheres, aprendemos cedo a sermos boas em tudo. Profissionalmente competentes, emocionalmente disponíveis, socialmente agradáveis. E discretas. Sobretudo discretas. Que é como o mundo gosta da gente: eficientes, mas silenciosas; brilhantes, mas que não ofusquem ninguém. O ideal, ao que parece, é que a gente dê conta de tudo mas que pareça fácil. Sem olheiras, sem fúria, sem voz embargada.
Nos ensinaram que é bonito se encolher para caber no espaço do outro. E a gente acreditou. Escolheu demais os outros. Escolheu as necessidades alheias, os sonhos alheios, até as roupas no armário alheio, enquanto as nossas próprias vontades mofavam dobradas nas prateleiras de cima, junto com aquela pasta de documentos importantes e o desejo antigo de morar perto do mar.

É claro que tudo isso cansa. Mas ninguém repara. Porque continuamos sorrindo em reuniões, fazendo listas de compras, mandando mensagens educadas com emojis simpáticos e postando stories com filtro Paris mesmo quando a vida está mais para Zona de Guerra.

Só que uma hora o corpo fala. O sonho apaga. E a gente começa a andar por aí com a sensação de estar vivendo no piloto automático de um GPS emocional que só recalcula rotas alheias.


Não proponho nenhuma revolução sobre isso (deve dá um trabalho danado,rs). Só uma pausa. Um suspiro. Um recado gentil para nós mesmas: Ei, você também merece ser escolhida. Por você.

Nem sempre vai dar pra largar tudo e fugir para a Itália (embora a ideia seja tentadora), mas talvez dê pra dizer um ou dois “não” por semana. Dormir meia hora a mais. Escolher um vestido por capricho. Lembrar do que fazia seu olho brilhar antes da planilha, da culpa e das obrigações.

Quem sabe, assim, o sonho acorda.E, se não acordar, tudo bem também. Às vezes, a faísca da vontade renasce num café com pão na chapa, numa música velha ou num espelho limpo. Basta que você se veja de novo. Com gentileza. E sem sensor de presença. Você não precisa de aprovação pra brilhar.

E cá entre nós: que bom que ainda temos uma lucidez afiada, mesmo nos dias de economia de faísca.

*Socorro Camelo* é jornalista e escreve nesse espaço quando dá na telha. 

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