Por Socorro Camelo e colaboradores*
Crise no país vizinho
O Brasil está acostumado a dar as costas para seus vizinhos sul americanos e mirar outros interesses, quer os Estados Unidos, a Europa e agora a China. Por isso, passa quase despercebida a crise econômica e política bem na fronteira com o Acre, na Bolívia. E que tem potencial de se agravar ainda mais com a proximidade das eleições gerais naquele país, marcadas para 17 de agosto.
Dólares
A principal causa dos problemas no país vizinho é a falta de dólares, a escassez de moeda forte para transações comerciais internacionais. Com isso, o governo tem dificuldades de importar desde alimentos, até remédios e, principalmente, combustíveis. Falta gasolina e os transportadores do país protestam junto com a população desabastecida.
Razões
As razões para a crise cambial na Bolívia passam necessariamente pela queda abrupta da exportação de seu principal produto, o gás natural, que teve grande redução na produção e no preço. Um dos países líderes nas reservas de gás e do estratégico lítio, a Bolívia nunca conseguiu uma estrutura estável de produção.
Subsídios e combustíveis
Desde 2015, a Bolívia acumula seguidos déficits fiscais. A situação, contudo, piorou desde 2023, com a queda do volume de gás vendido para fora do país. É o principal item de exportação do país. Por isso, desde o ano passado, o país precisou recorrer às reservas internacionais para subsidiar o preço dos combustíveis, que é importado. E haja subsídios estatais, que vão dos alimentos às empresas que importam diesel e gasolina, e custam cerca de US$ 4 bilhões por ano, com o governo gastando mais do que arrecada.
Déficit
Com isso, o déficit fiscal ultrapassou a média de 8% do PIB [Produto Interno Bruto], uma queda nas receitas fiscais e, obviamente, nas reservas do Banco Central, que foram queimadas. Para manter o vasto programa social e econômico, o governo de Luis Arce passou a utilizar as reservas oficiais de dólar. Com isso, houve baixa dessas reservas, que passaram de US$ 15 bilhões em 2015 para US$ 1,9 bilhão no começo de 2025. Com a escassez de combustível, de alimentos, os negócios pararam, o desemprego aumentou a e população se enfureceu. Começa a faltar até pão, já que parte da farinha é importada.
Protestos
Os protestos lavam a fechamento de estradas, piquetes e conflitos, que chegam à fronteira com o Acre, em Cobija, Só não existe fome porque o governo ainda banca um programa de segurança alimentar com base na empresa pública Emapa, que compra a produção de pequenos agricultores. Mas começa a faltar dinheiro até para isso.
Eleições
A situação é tão séria, que o presidente Luís Arce anunciou que não concorrerá a um segundo mandato. Parte da população está saudosa dos tempos de relativa bonança de Evo Morales, proibido de concorrer, entrando e saindo da prisão acusado de crimes sexuais, na falta de acusação melhor. Com isso, a situação política fica incerta.
E o Acre com isso?
Além de ser um problema bem na nossa fronteira, a crise econômica do país favorece a proliferação do crime organizado, que já deu sinais de se instalar no estado, fomenta a violência na pacata fronteira e pode resultar em uma onda de refugiados. Se acontecer o esperado agravamento nos acontecimentos econômicos e políticos, essa é uma possibilidade real. Por isso, é preciso acompanhar com atenção os desdobramentos da crise boliviana.
Estudantes
A situação instável na política da Bolívia também gera o alerta para centenas de estudantes acreanos que cursam faculdades daquele país. Pode haver incentivo à xenofobia e hostilidades contra brasileiros, que já vivem pressionados e por vezes atacados naquele país. A diplomacia brasileira precisa estar atenta.
Depredação
Um dos espetáculos mais bizarros do ano aconteceu na segunda-feira, em Rio Branco, quando uma horda de invasores, sem-teto, aproveitadores, invadiu o prédio abandonado do Centro Pop, ao lado da Rádio Difusora e depredou toda a casa, que já estava em condições lastimáveis de conservação.
Sobrou Nada
Levaram as telhas, as portas, as janelas, a rede elétrica com seus cabos, até as louças sanitárias. A prefeitura nada fez, a polícia militar nem perto passou. Uma barbárie. Para a prefeitura, a invasão impossibilitou qualquer tentativa de reverter a mudança do centro para a região da Sobral, onde sofre protesto de moradores. Agora, mais que nunca, a volta é impossível.
*Socorro Camelo é jornalista e escreve neste espaço toda semana.
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