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O mundo segundo Glória

A crônica de uma imortalidade anunciada

02/06/2025 às 20h14 Atualizada em 02/06/2025 às 23h04
Por: Redação Fonte: Redação
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O mundo segundo Glória

Por Socorro Camelo*

Ela se chamava Glória. E fazia jus.
Não era só um nome. Era um aviso. De presença, de brilho, de voz. Não havia como ignorá-la, ela abria espaço como quem sabe que o mundo sempre foi pequeno demais para quem sonha grande. Sua história não começa com uma câmera ou uma notícia. Começa com o silêncio que ela rompeu.

Assistir à série “Glória”, no Globoplay, é como ouvir uma canção de resistência cantada com elegância.  
Cada episódio é um convite para relembrar que o impossível, às vezes, só está mal distribuído.

Glória não pediu licença.

Ela atravessou continentes, quebrou padrões e devolveu à TV um pouco da verdade que a vida guarda. E, principalmente, ouviu, com os olhos, com o corpo e com aquele humor que desarmava até os muros mais altos. Dizem que ela era “difícil”. Mas difícil mesmo era o país que a quis invisível.

Para estar na TV, Glória precisou ser mais que boa, precisou ser melhor que todos. Mais precisa, mais elegante, mais forte. E foi. Mas não do jeito que esperavam. Glória não seguia o script. Reescrevia. E se havia algo que ela não fazia, era pedir desculpas por existir do jeito que queria.

Vi o documentário como quem lê um poema raro: com um nó na garganta e um sorriso discreto de quem reconhece uma heroína disfarçada de gente. Glória ria alto, batia cabelo, usava ombreiras e respondia como quem não devia nada ao mundo e não devia mesmo. O mundo é que deve muito a ela.

Ela desafiou o óbvio, os manuais, os jurados do impossível. Era preta em um Brasil que não queria vê-la. E ela fez questão de ser vista, de salto, microfone e brilho próprio. Sabia o peso do que carregava, mas nunca se deixou reduzir a ele.

Glória não queria “ter tudo”. Queria ser tudo que lhe coubesse no peito. Teve muitos amores, poucos pudores, uma coragem escandalosa e uma mania bonita de se apaixonar pela vida.

Adotou duas meninas na Bahia e reescreveu sua história com doçura e responsabilidade, sem perder o sarcasmo. Era dessas que chorava em tribos africanas e gargalhava quando lembravam que ela fumou maconha na Jamaica em rede nacional.

Afinal, ser jornalista no Brasil é um pouco isso: uma mistura de coragem, falta de juízo e paixão incurável pela humanidade.

E jornalismo bom é aquele que cala para escutar o outro. E Glória escutava o mundo. Com os olhos, com o coração, com silêncio e sensibilidade.

Jornalistas como Glória, não morrem. Viram farol. Viram exemplo. Viram meme, e que sorte a nossa!  

Esse documentário deveria ser obrigatório nas faculdades de jornalismo. E para nós, jornalistas em exercício, também. Porque ali se aprende o que não cabe no currículo: a dignidade de ser quem se é, a força de ir onde ninguém foi, o respeito pela história dos outros, e a coragem de não pedir licença.  

Aprende-se, com Glória, o valor de acreditar em si quando o mundo inteiro duvida. Aprende-se o que é comunicar com verdade, com brilho nos olhos e com a alma inteira. Glória Maria é verbo no presente.

E continua ensinando a todos nós a mágica de existir com autenticidade, propósito, e um tantinho de rebeldia.

 

Socorro Camelo é jornalista.

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