Por Socorro Camelo e colaboradores*
Sebastião Salgado e o Acre
Com a morte de Sebastião Salgado, aos 81 anos, a fotografia perde um de seus maiores mestres; a Amazônia um de seus mais ferrenhos defensores e o Acre um dos mais sensíveis intérpretes do seu povo e da beleza fabulosa de seus povos tradicionais e de sua natureza grandiosa.
Denúncia e beleza
Para Salgado, cada click, cada foto era, ao mesmo tempo, um objeto de denúncia e a consagração da beleza, sensibilidade ou da humanidade resistente e necessária. Dos rostos quase inumanos e paisagem destruída de Serra Pelada ao resgate da beleza ancestral e da dignidade dos povos indígenas no Acre, Sebastião Salgado unia em seu trabalho a indignação, o respeito, a contemplação e a arte.
No Acre
No Acre, retratou, especialmente, a magnitude da natureza na serra do Divisor, a beleza incomparável da floresta, dos rios e das pessoas, em especial dos povos Ashaninka e Yawanawá. Todos partem de uma de suas obras mais importantes, o grande álbum Amazônia, finalizado em 2021 e tema também de uma extraordinária exposição.
Impacto
Por sete anos, ele percorreu toda a região, de barco, de carro, de avião e reconheceu o impacto dessa experiência em sua vida. Considerava que era sempre um privilégio estar na região. “É um espaço com mais de 180 culturas e línguas diferentes. Sem dúvida o espaço amazônico possui a maior concentração cultural do planeta.”
Diferença
Na abertura da exposição temática, em 2022, em São Paulo – depois ela percorreu o mundo - comentou a diferença entre a primeira vez que esteve na Amazônia, nos anos 80, da última, já nos anos 2000. “Eu vi que estava havendo uma predação imensa do território. Então resolvi, como brasileiro, abdicar alguns anos da minha vida para realizar um trabalho sobre o bioma amazônico. A exposição não é só sobre as comunidades indígenas, é também delas.”
Ameaça
E analisa. “Os povos indígenas jamais estiveram tão ameaçados quanto hoje, mas existem organizações que estão trabalhando na mesma intensidade, como uma linha de frente na luta pelo bioma amazônico.” E vaticinava: “meu desejo, de todo o coração, com toda a minha energia, com toda a paixão que possuo, é daqui a 50 anos ver que este livro não se assemelhará ao registro de um mundo perdido. A Amazônia deve continuar viva”.
Infinito
No prefácio do livro, registrou que: “para mim, é a última fronteira, um universo misterioso próprio, onde o imenso poder da natureza pode ser sentido como em nenhum outro lugar na terra. Aqui está uma floresta que se estende até ao infinito e que contém um décimo de todas as espécies vivas de plantas e animais, o maior laboratório natural do mundo”.
Povos
Sebastião Salgado conviveu e documentou o cotidiano dos Yanomami, dos Asháninka e dos Yawanawá, ambos no Acre, dos Suruwahá, dos Zoé, dos Kuikuro, dos Waurá, dos Kamayurá, dos Korubo, dos Marubo, dos Awá e dos Macuxi -seus calorosos laços familiares, sua caça e pesca, a maneira como preparam e compartilham as refeições, seu maravilhoso talento para pintar rostos e corpos, o significado de seus xamãs e suas danças e rituais. Tudo com a arte, a sensibilidade e o respeito.
Lembranças
No Acre, é lembrado entre os povos pelo seu interesse na cultura, em entender as relações internas da comunidade, pelo olhar generoso e participante. A foto de uma indígena Ashaninka foi capa de uma das edições de seu livro Amazônia. As fotos mostram os Ashaninkas e os Ywawanawás de modo altivo, resiliente, uma celebração da vida e dos valores que eles tentam preservar. Não é um painel histórico ou etnográfico, mas é a celebração da vida, da luta cotidiana, da resistência de quem busca a preservação e o respeito a seu modo de vida.
Importância
“Não tenho nenhuma preocupação nem nenhuma pretensão de como serei lembrado. É minha vida que está nas fotos e nada mais”. Essa era a simplicidade do grande artista. Para ele, “o fotógrafo, para ser fotógrafo, precisa de uma grande quantidade de humildade e a cada manhã dizer que ele não compreendeu, que ele não é nada, que ele ainda não é fotógrafo, que ele tem de compreender a sociedade, que há muita coisa para aprender, e que tem de refazer tudo que fez”. Esse foi o gênio que nos deixou.
Exposição
Alguns políticos que patrocinam tantos espetáculos descartáveis a peso de ouro em festas, eventos, festivais e exposições, bem, que poderiam estudar a possibilidade de trazer a exposição Amazônia ao Acre, como um legado ao grande Sebastião Salgado.
*Socorro Camelo é jornalista e escreve neste espaço as segundas, quartas e sextas.
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