Por Socorro Camelo e colaboradores*
Algo muito errado
Política é, por essência, o exercício de organizar a vida coletiva. Supõe diálogo, responsabilidade, espírito público e, sobretudo, respeito pela inteligência do povo. Mas, em Rio Branco, a gestão municipal parece ter desaprendido a diferença entre governar e governar-se. O que se vê é um espetáculo de vaidades, autoritarismo disfarçado de eficiência e um descaso que virou método.
Centro Pop
Foram quase cinco anos de governo até que o Centro Pop se transformasse, ironicamente, num centro de escombros. Nenhuma reforma, nenhum plano, nenhum cuidado. Só o silêncio, até que o Ministério Público precisou lembrar que, entre as atribuições do poder público, não consta fingir que a pobreza não existe.
Não dá mais
O tempo das soluções bárbaras ficou, suponhamos, no passado. Nos anos 60, Carlos Lacerda, na Guanabara, literalmente lançou homens ao rio para “limpar” a cidade. Hoje, não se joga mais ninguém no Acre joga-se para a periferia, para longe dos olhos e das praças que a gestão azul tanto preza. Sai da vista, sai do problema.
Imposta
A decisão de empurrar o Centro Pop para a região da Sobral não consultou ninguém. A lógica é simples: decido, faço e comunico depois, se comunicar for mesmo necessário. O povo, nesse roteiro, não é partícipe. É figurante.
Faixas
O azul, cor da campanha, virou paisagem. É praça azul, viaduto azul que liga coisa nenhuma a lugar algum, prédio azul e, para não restar dúvida, até faixa de pedestre azul. A cidade virou vitrine monocromática da vaidade administrativa. Curioso é que, quando governos anteriores ousaram usar cores, símbolos ou bandeiras, veio Ministério Público, veio Justiça, vieram processos. Agora, reina o silêncio. O silêncio, sim, é multicolor.
Xingamentos
Mas não se engane: se a tinta azul cobre os muros, quem ousa discordar recebe de volta é lama. Lama verbal. O secretário de Agricultura, por exemplo, já percebeu que, na ausência de resultados, há sempre a opção de xingar. É a eloquência de quem trocou argumento por xingamento.
Máquina
E como desgraça pouca é bobagem, até trator some. Evapora. Desaparece na paisagem amazônica como um barco à deriva na neblina. E, pasme, a culpa, segundo a gestão, não é de quem deveria proteger o patrimônio público. É dos produtores rurais. Sim, aqueles que, além de plantar e colher, agora deveriam, segundo a lógica municipal, fazer ronda noturna em obra pública.
Birra com farinha
Mas, se sumir trator já beira o surreal, teve ações que foram além. A prefeitura, num gesto que parece mais uma cena do teatro do absurdo, devolveu recursos destinados aos produtores de farinha. Motivo? O pecado de origem: o dinheiro veio de uma emenda do senador Alan Rick e, pelo visto, se não tem carimbo azul, não serve.
Além dos muros
A lógica da gestão é simples: melhor prejudicar quem trabalha, quem produz, quem rala de sol a sol no campo, do que admitir que há vida e política além dos próprios muros do palácio municipal. O prejuízo, claro, não ficou na conta do prefeito. Ficou foi na mesa vazia dos produtores, nas mãos calejadas que ficaram sem o apoio que já estava garantido.
Rei Sol
Luís XIV, rei da França, o Rei Sol, ficou conhecido por governar com poder absoluto e pela famosa frase: “O Estado sou eu”. Tudo girava em torno dele, uma lógica que parece ter sido importada para a prefeitura de Rio Branco.
O dilúvio
Bocalom governa como quem acredita que a história começa nele. Derruba estações de integração, desmancha o Shopping Aquiry, apaga o mercado dos colonos, põe abaixo o tradicional mercado Elias Mansur, porque, na sua cabeça, tudo que veio antes não presta. A cidade é um tabuleiro onde só há espaço para as peças que ele próprio move. O resto é descartável. Como disse, certa vez, Madame Pompadour, amante do rei Luís XV: “Après moi, le déluge” ou no bom português : Depois de mim, o dilúvio.
Greve
Os professores e os trabalhadores do município estão em greve e o poderoso prefeito já avisou que não vai negociar, que não gastará dinheiro público com reivindicações, desautorizando seu apagado vice e secretário de Educação, Alysson Bestene.
Ruas
Às vésperas da eleição, um empréstimo de R$ 145 milhões deu verniz novo ao asfalto velho. Vencido o pleito, encerrou-se o programa. A maquiagem rachou antes do asfalto. E para garantir que a base na Câmara siga obediente, mil cargos comissionados resolveram provisoriamente o problema da fidelidade.
A toque de caixa
Com a base controlada, aprovou-se mais um empréstimo: R$ 67 milhões para ônibus. Não para modernizar o transporte mas para entregar veículos novinhos à mesma empresa que opera há quatro anos sem licitação. Monopólio de fachada, subsídio gordo e silêncio obsequioso.
Água
A cidade secou. As duas estações de tratamento desabaram, levando junto o abastecimento de água. Chegaram verbas federais, chegou ajuda de fora, mas o que não chega nunca, é o reconhecimento de que a solução não brotou do chão da prefeitura. Enquanto isso, se a água não chega na torneira, chega pontualmente no boleto.
Irregularidades
Como se não bastassem tantas irregularidades, agora o MP vai apurar fraudes na seleção dos ocupantes das casas populares, que o prefeito anuncia como suas, mas que são construídas pelo governo Lula, que o prefeito execra e ataca como pode.
Como pode
E assim segue o reino. Com a primeira-dama nomeada secretária, uma Evita amazônica, com órgãos de controle em estado de hibernação e com uma população que, por cansaço ou descrença, parece aceitar que viver na cidade azul é normal. Até o dia em que, como na velha fábula, uma criança qualquer grite o óbvio que ninguém ousa dizer: “O rei está nu.”
*Socorro Camelo é jornalista e escreve neste espaço as segundas, quartas e sextas.
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