Por Socorro Camelo e colaboradores*
Consequências
Em uma grande capital do sul do país, três mulheres, avó, mãe e uma bebê de quase dois anos foram encontradas mortas, em um apartamento de alta classe média, deitadas na mesma cama, depois de mais de uma semana sem notícias para a família. O apartamento estava trancado por dentro, não houve invasão. O que teria causado as mortes? A conclusão é assustadora.
Jogos
A mulher de 40 anos, que morava com a mãe de mais de 60 e a filha de menos de dois anos, que possuía frágil condição de saúde, cometeu os dois homicídios e suicídio. A razão: estaria com dívidas superiores a R$ 500 mil em plataformas de jogos online. Tentou ganhar dinheiro para o tratamento da filha e as dívidas se acumularam de tal forma que não viu alternativa. A tragédia é mais comum do que se pensa.
No Acre
No Acre, são centenas de vidas destruídas, famílias desagregadas pelo vício em apostas esportivas online nas bets da vida e no famigerado jogo do “tigrinho” e assemelhados. Há relatos de assassinatos motivados por dívidas com agiotas para conseguir dinheiro para as apostas.
Depoimento
Dezenas de “influenciadores” e “influenciadoras” do estado ostentam fortunas, carrões, viagens, vida de luxo, graças à divulgação dessas armadilhas ao alcance de qualquer celular. E, quando a polícia descobre o esquema, posam de homens e mulheres de Deus, juram inocência e denunciam perseguição. O incrível e inexplicável é ninguém está, até hoje, atrás das grades por esse crime.
Falsificação
O esquema é simples. Esses autodenominados influenciadores recebem proporcionalmente aos incautos que levam para as plataformas de golpes. E com um detalhe: os celulares em que simulam apostas, em que ganham muito dinheiro nas suas redes, são fakes, oferecidos pelas empresas golpistas e programados para ganhar. Muito diferente do jogo normal, em que o incauto apostador está destinado a perder. Sempre. E há gente que se submete a divulgar essas falcatruas e ainda frequenta a sociedade, ainda aparece como exemplo de sucesso.
Depoimento
Na última terça- feira, 13, um espetáculo absurdo aconteceu no Congresso Nacional. Uma dita influenciadora, com mais 50 milhões de seguidores e uma vida de alto luxo, foi depor na CPI das Bets. Ela se apresentou candidamente, como se fosse uma inocente menininha. Mas admitiu que ganharia ainda mais pela propaganda se as metas de arrecadação fossem atingidas e mais clientes lesados. E que o celular em que aparece jogando é fornecido pela empresa. Que o marido e a mãe, também inclusos na propaganda, não têm o aplicativo em seus próprios celulares. E ainda saiu do congresso tietada e elogiada por parlamentares.
Golpe
O jogo se tornou um vício legalizado, fazendo mais mal que o tráfico de drogas, o alcoolismo. E a ação do governo e da polícia sobre as plataformas e divulgadores é extremamente tímida e sem efeito. Há fortunas sendo feitas, até mesmo no Acre, às custas da degradação de pessoas vulneráveis. Isso precisa ter um fim. Os jovens, em especial, precisam aprender que só o trabalho duro e a boa educação, ao lado das oportunidades necessárias, geram melhoria de vida e não o sucesso artificial promovido pelas redes sociais e incentivado pelas plataformas de apostas e jogos de azar.
Reborn
Outro modismo execrável é o tal de bebê reborn, o uso de bonecos de silicone que simulam recém-nascidos e que são a nova sensação de mulheres e casais da alta roda no país. Esses bonecos são tratados como se fossem humanos, são cuidados, vestidos, com alimentação simulada. Levados a passeios e postos para dormir. Há lojas especializadas em “roupinhas” para esses “bebês”, gerando gastos que dariam para sustentar uma dezena de crianças reais e carentes. É o retrato da exclusão social.
Vantagens
E os “pais” e “mães” desses bebês reborn veem vantagens. Eles não sujam as fraldas, não choram de madrugada, não têm cólicas, não exigem a amamentação real, não adoecem de verdade e nem enfrentam as dores do crescimento. É mais um adendo à vida de faz de contas que está tomando conta da sociedade.
Na justiça
E já há casos de casais “pais” de bebês reborn que começam a se separar e procurar a justiça pedindo guarda compartilhada do boneco! Por mais absurdo e repulsivo que possa parecer.
Lembrança
Quando surgiu a onda dos cachorros de madame, tratados como crianças, com mimos como roupas, babás e outros agrados, o cantor Eduardo Duzek lançou o Rock da Cachorra, em que pedia: “Troque seu cachorro por uma criança pobre”, e que proclamava na letra “Seja mais humano, seja menos canino, dê guarita pro cachorro, mas também dê pro menino, senão um dia desses, você vai amanhecer latindo”. Está faltando um rock para os pais de bebês reborn.
*Socorro Camelo é jornalista e escreve toda semana neste espaço.
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