Por Socorro Camelo*
Sou jornalista. Não por acidente, não por falta de opção, mas por uma mistura exata de vocação, teimosia e um leve desvio de bom senso. A profissão não me deu uma lancha (nem queria mesmo!) mas me deu um grupo de WhatsApp que sabe absolutamente tudo sobre absolutamente nada.
Ser jornalista é viver entre fontes, notas, ruídos, releases e, no meu caso, muita pauta institucional com prazo pra ontem e emoção de novela mexicana. Já fui repórter, já fui editora e, há anos, sou assessora de imprensa, esse elo entre o fato e o público, entre o político e a opinião pública, entre o mundo real e a tentativa de parecer que está tudo sob controle.
Ser jornalista é ter uma rinite crônica causada por poeira de arquivo morto. É saber onde nasceu o ministro do Supremo, mas esquecer onde deixou a chave do carro. É viver no furo e morrer no prazo.
Abaixo, algumas verdades que preciso dizer antes que me peçam, de novo, pra “dar uma olhadinha nesse textinho”:
1. Não sei quem namora quem no momento.
Posso até saber o que está em pauta no Senado, o nome da ministra do Planejamento e os números da última pesquisa do Datafolha. Mas se o seu interesse for saber com quem a ex-BBB 12 está saindo… me perdoe, estou desatualizada em celebridades desde Sandy & Junior.
2. Sim, eu trabalho com palavras. Não, não vou revisar sua legenda no Instagram.
Muito menos escrever a bio do Tinder, a dedicatória do livro que você não escreveu ou a carta pro seu ex. Minha caneta até é afiada, mas tem limite.
3. Jornalismo não dá dinheiro, dá história.
Dá amigos, dá gastrite, dá fontes confiáveis, dá um certo vício por café e deadlines. Mas dinheiro? Só em sonho ou nas assessorias que pagam muitooo bem (beijo pra elas, que são poucas e boas).
4. Não, eu não estou “sempre de férias”.
É que eu posto fotos antigas pra manter a estética e a sanidade. A última vez que tirei férias de verdade, o Orkut ainda era uma rede social.
5. Minha mãe que já não está mais aqui nesse mundo, nunca soube exatamente o que eu faço.
Ela só dizia: “Minha filha trabalha com política… ou é publicidade… ou é rádio… uma coisa assim.” E eu deixava. Uma vez tentei explicar, mas parei quando ela me apresentou como “quase advogada que escreve bonito”.
6. Sim, eu fico o dia todo no WhatsApp.
Não é vício, é plantão. Não estou ignorando você, estou ignorando todos. Democraticamente.
7. Já entrei em coletiva sem almoçar, sem dormir e sem saber o nome do entrevistado.
Mas saí com a matéria feita, dois contatos novos e um salgado frio no bolso.
8-Jornalista não tem descanso, assessora então… só se o cliente viajar sem sinal.
A gente entra em reunião, responde jornalista em caixa alta no WhatsApp, faz nota, corrige texto do cliente e ainda cuida da foto de divulgação (sem Photoshop, com esperança).
9. Sim, eu já redigi posts, releases, discursos e até bilhete pra aniversário de servidor.
Mas não, eu não vou escrever a legenda do seu Reels romântico. Eu tenho limites. E reputação.
10. O jornalista pergunta, a assessora responde. Às vezes por ela, às vezes pelo cliente, às vezes pelos dois ao mesmo tempo, em linguagem acessível, cordial e objetiva.
Às vezes, respirando fundo.
11. A agenda do cliente virou minha agenda.
E a agenda do repórter também. Porque a gente media. Traduz. Reúne. Reagenda. Lê nas entrelinhas. E escreve no tempo verbal certo.
12- Já chorei por pauta, já ri por erro de digitação, já fui ameaçada por telefone.
Mas continuo. Porque jornalista de verdade não desiste, só reescreve o lead.
13. E não, não estou velha, porque jornalista não envelhece, acumula fontes.
E memes. E prints. E crises existenciais em torno de títulos ruins que ninguém vai ler mesmo.
14. Não somos celebridades. Somos sobreviventes.
Do texto de última hora, do “edita rapidinho pra mim”, do “é só um textinho”, do “é só divulgar”.
15-Já fui confundida com a jornalista “da Globo”.
Já fui ignorada em eventos. Já fui chamada de “a moça da comunicação”. Tudo bem. Mas me chama pelo nome, porque as vezes eu resolvo o que ninguém vê.
16. Sim, eu amo o que faço.
Mesmo com prazo apertado, cliente nervoso, WhatsApp lotado e a impressão de que o dia teve 47 horas. Sigo amando. Porque quando a nota é aprovada, quando a matéria sai, quando o reconhecimento vem, é bonito. E vale.
17. Sou jornalista, sou assessora, sou cronista da vida real.
E sigo entre uma coletiva e outra, tentando explicar pro mundo que essa profissão não enriquece, mas enriquece a gente de história.
Ser jornalista é viver entre o “deu ruim” e o “fecha a matéria”. É ter fome de notícia e sede de justiça. É dormir com a pauta de um e acordar com o furo de outro.
E mesmo sem glamour, sem salário compatível e sem hora pra desligar, sigo aqui fazendo jornalismo como quem ama um esporte radical (alô Cassiano, tá aí a minha adrenalina!) . Sem capacete, mas com vírgulas bem colocadas (nem sempre, sou ruim de vírgula, rs)
Esse texto aqui é para eu e você, jornalista, que colecionamos pautas, perrengues e bons amigos (mas não necessariamente boletos pagos).
Feliz Dia do Jornalista pra mim. E pros outros corajosos da classe.
Um brinde (com café ou coragem) ao jornalismo que nos move!
*Socorro Camelo é jornalista com orgulho, perrengue e propósito!
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