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ACRE EM NOTAS | O jogo geopolítico que passa pelo Acre

Do Vietnã à castanha, passando por Trump e cargos comissionados — as escolhas políticas que desenham o futuro do estado

24/03/2025 às 13h48 Atualizada em 25/03/2025 às 06h54
Por: Redação Fonte: Acreaovivo.com
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ACRE EM NOTAS | O jogo geopolítico que passa pelo Acre

Por Socorro camelo e colaboradores*

Planos

O jornal Folha de S.Paulo publicou ontem uma matéria que poderia soar como apenas mais uma das conspirações da extrema-direita para intervir nas eleições brasileiras. Mas não é só isso. Ela mexe com os rumos do futuro do Acre. Segundo a reportagem, o presidente americano Donald Trump estaria utilizando a presença de Eduardo Bolsonaro — o agora deputado licenciado — nos Estados Unidos para articular uma campanha internacional contra o governo Lula, de olho nas eleições de 2026.

Objetivos maiores

O objetivo não se limita a derrotar Lula ou a esquerda. Para os EUA, o Brasil é peça-chave na contenção da China nas Américas. O governo Trump já demonstrou desconforto com a influência chinesa na gestão do Canal do Panamá e agora mira nas iniciativas da Nova Rota da Seda, que prometem transformar o fluxo comercial e diplomático entre os continentes.

E o Acre com isso?

Tem tudo a ver. A China investe fortemente em rotas alternativas que escapam ao controle dos EUA. Inaugurou um megaporto em Chancay, no Peru, e negocia uma ferrovia que sai do Porto do Açu (RJ), corta o Brasil e chega ao Acre pelo Juruá — uma das regiões mais propícias para cruzar os Andes em direção ao Pacífico. Uma rota que pode mudar o destino econômico do estado.

Boicote em curso

A parceria sino-brasileira, fortalecida no bloco dos BRICS — formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e recentemente ampliado — é indigesta para os interesses americanos. O grupo atua como contraponto às potências ocidentais, com foco em cooperação econômica, política e estratégica entre países emergentes. O mais recente atrito? A defesa de Trump aos interesses dos colonizadores brancos da África do Sul, contrários à tímida reforma agrária do governo local. O pano de fundo é geopolítico — e o Brasil está no tabuleiro.

Consequências visíveis

Trump já conta com o apoio entusiasmado da Argentina. Se a direita vencer no Brasil, os investimentos chineses podem ser barrados. E o Acre, novamente, seria um dos primeiros a sentir o baque. Em política, não há ponto sem nó. Defender Trump e Bolsonaro cegamente pode significar dar um tiro no próprio pé — especialmente para quem vive num estado que tem tudo a ganhar com o fortalecimento das parcerias com o Oriente.

Abrindo caminhos

Enquanto isso, Lula, Marina Silva e outros ministros estão em missão oficial no Japão e no Vietnã. A visita pode render frutos para o Acre. O Vietnã, por exemplo, é líder na produção de café robusta, variedade que se expande no estado. Um intercâmbio técnico e econômico seria promissor.

Exportação de carne

Outro ponto da agenda presidencial é a exportação de carne, setor com enorme potencial no Acre, especialmente considerando o porto de Chancay como nova rota de escoamento para o mercado asiático.

APEX

Nesse cenário, o acreano Jorge Viana, presidente da APEX, é peça-chave. Sob sua gestão, a agência movimentou mais de US$ 173 bilhões em negócios. Uma guinada em relação ao governo anterior, cujo maior feito da APEX foi tentar vender as joias sauditas do ex-presidente.

Castanha em alerta

O preço da castanha bate recorde — não por valorização natural, mas pela escassez. A safra atual será a menor já registrada. A seca histórica de 2024 e o desmatamento severo dizimaram as castanheiras, mesmo aquelas protegidas por lei.

Biodiversidade ameaçada

A castanha é o segundo produto mais comercializado da Amazônia, perdendo apenas para o açaí. Mas sem polinizadores como as abelhas ou dispersores como a cutia, o futuro da produção está ameaçado. Os extrativistas, que vivem da coleta, sentem primeiro os impactos. Com o mercado se voltando para castanhas de caju ou importadas, as comunidades locais perdem renda, identidade e esperança.

Esperança na próxima safra

A expectativa é que a safra a partir de dezembro de 2025 seja menos afetada e permita alguma recuperação econômica e ambiental. Mas para isso, é preciso mais do que torcer: é preciso agir.

Cargos e favores

Enquanto isso, na política doméstica, os vereadores de Rio Branco aprovaram um projeto que aumenta o número de cargos comissionados na prefeitura — sem limites ou critérios claros. Tudo indica que o “trem da alegria” foi pensado para garantir que cada vereador tenha seu quinhão em forma de indicações. E assim caminha a política…

Palavra final

A política local e global se entrelaçam cada vez mais. Do futuro das castanheiras à construção de ferrovias transcontinentais, passando por disputas entre potências mundiais, tudo acaba desembocando — ou travando — no Acre. O Brasil, como membro ativo dos BRICS — bloco que reúne países emergentes com crescente influência mundial — ocupa hoje um espaço estratégico que incomoda velhos poderes. E é justamente nesse contexto que nossas decisões internas ganham dimensão internacional. O discurso ideológico e os flertes com projetos autoritários podem parecer inofensivos, mas têm consequências concretas, especialmente para quem vive da floresta, da terra e das rotas comerciais. Que nossas escolhas estejam à altura do futuro que desejamos — e não do passado que insiste em nos assombrar.

Socorro Camelo é jornalista e escreve neste espaço de segunda a sábado. Contato : [email protected]

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