Por Socorro Camelo e colaboradores*
Mortes
Desde a aprovação da lei que criou o crime de feminicídio, há dez anos, o Brasil registrou ao menos 11.859 vítimas, segundo dados do Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública) até janeiro deste ano. São mais de mil mulheres assassinadas a cada ano. O Acre, proporcionalmente à sua população, apresenta números assustadores.
Misoginia
Pior que os números absolutos, que já são terríveis, é a cultura do machismo, da misoginia, do rebaixamento da condição feminina e da ideologia da dominação. É contra isso que deve se voltar a luta feminista e feminina. Em uma sociedade onde o feminismo virou quase um xingamento, é urgente encarar a situação da mulher sem ideologias extremistas, sem repressão disfarçada de tradição — seja pela norma social, pela política ou pela religião.
O atraso e o avanço
No Dia da Mulher, um vídeo do sacerdote católico Frei Gilson viralizou. Em uma live para mais de um milhão de pessoas, ele afirmou que o papel das mulheres é auxiliar os homens e que elas não deveriam ter “desejos de poder” — uma interpretação do livro de Gênesis. Enquanto isso, um bispo de Cruzeiro do Sul, no Acre, saía na frente com uma visão mais que ponderada.
Enquanto Frei Gilson propagava sua visão sobre o papel das mulheres, o bispo Dom Flávio Giovenale, de Cruzeiro do Sul, apresentava uma perspectiva bem diferente.
Fala sensata
E é preciso louvar a declaração firme e necessária do bispo Dom Flávio Giovenale no Dia da Mulher:
“Vamos parar de usar trechinho da Bíblia, meias frases da Bíblia, para justificar a opressão das mulheres, porque isto não é de acordo com a vontade de Deus. Não podemos só não ser machistas, temos que ser contra o machismo.”
Compromisso
Dom Flávio, de formação salesiana, tem marcado seu episcopado pela ênfase na educação e na defesa dos Direitos Humanos. Já presidiu a Cáritas no Brasil, confederação de organizações humanitárias da Igreja Católica presente em mais de duzentos países. Em Cruzeiro do Sul, tem sido um bispo atuante, denunciando a infiltração do narcotráfico e defendendo a população mais vulnerável.
Contra a violência
Mais uma reflexão de Dom Flávio Giovenale, uma voz lúcida na Igreja Católica acreana, que merece ser analisada e debatida:
“Infelizmente, ainda vemos feminicídios nos municípios da nossa Diocese, tanta violência. E isto não está correto, não é segundo o projeto de Deus.”
Respeito
Ainda o bispo de Cruzeiro do Sul:
“Que Deus abençoe a todas. Vamos caprichar dizendo às mulheres: nós amamos vocês e vamos manifestar esse amor com respeito, com valorização, com oportunidades iguais às dos homens. Que ninguém as despreze, mas que todos possam dizer: viva as mulheres, no dia delas e em todos os dias de suas vidas.”
Que assim seja!
Alagamento
Com o Rio Acre perto ou alcançando a quota de alagamento, é hora de algumas reflexões. Não dá para ser negacionista das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, lamentar as inundações anuais, que são causadas pela desregulação do clima na região. Enchentes em março não eram comuns, especialmente seguidas de seca severa em julho e agosto.
Margem
Outro problema é a ocupação da margem do rio. Todo mundo sabe que os cursos d’água da Amazônia estão em constante mudança, sem calhas definitivas. Por isso, é preciso uma área maior de escape e de prevenção de enchentes, o que não acontece na capital e em outras cidades, mesmo com outros rios, como Tarauacá e no Rio Acre, em Brasileia. A especulação imobiliária expulsa as famílias pobres para áreas insalubres, geralmente inundáveis e o poder público se omite na questão.
Insolúvel
Tentar conter a ocupação das encostas do rio e dos igarapés é um problema insolúvel em Rio Branco e esta discussão vem, pelo menos, desde que o ex-governador Flaviano Melo assumiu pela primeira vez a prefeitura da capital, no início de sua carreira política. Como governador, chegou a remover famílias do Taquari e cercou áreas ribeirinhas para impedir ocupação, o que não durou muito.
Política
Acontece que a política sempre fala mais alto do que a real preocupação com a população. Não só permitido que áreas alagáveis ao primeiro chuvisco sejam usadas para construção de precárias moradias, como instalando serviços públicos, como luz e pavimentação nesses locais às vésperas de eleições. O resultado se vê no período de chuvas.
Indústria
Por muito tempo, se falou na existência de uma “indústria da alagação”, termo bem acreano. Políticos e moradores que esperavam a cheia do rio, uns para faturar eleitoralmente, outros para conseguir alojamento, alimentação e as fartas doações que costumavam chegar nesses momentos. Uma realidade que, pelo menos para os desabrigados, não acontece mais, com a precariedade e violência nos alojamentos, com a falta de estrutura para acolhimento e a absoluta falta de vantagens, agravadas pelas condições sanitárias precárias na volta para casa. O que restou foi o abandono, que não mascara o uso político da situação.
Coragem
A solução exigiria coragem. Primeiro, para ações que reconhecessem a crise climática e colaborassem para a solução, pelo menos em nível local. Depois, pela criação e execução de um plano diretor que conseguisse conter a ocupação de áreas alagáveis e insalubres e que tivesse mecanismos reais de acolhimento e assentamento dessas populações em locais dignos. Mas isso seria utopia demais para as condições políticas do Acre, do Brasil e da sociedade em geral.
* Socorro Camelo é jornalista e escreve neste espaço as segundas, quartas e sexta-feira. Qualquer contato pode ser feito por e-mail para [email protected]
Mín. 23° Máx. 30°