Por Aline Pereira
A notícia do falecimento do Victor chegou em uma manhã de terça-feira, por volta das seis, seis e meia. A viagem mal havia começado, mas o destino, silencioso e certeiro, já cumpria o que estava escrito. Por mais que ele fosse experiente, por mais que a moto fosse segura, eu aceitei desde o início que foi como tinha que ser. Era o momento determinado por Deus. Essa certeza serena me impediu de me revoltar. Meu papel, então, foi apenas cuidar — cuidar dos meus filhos, cuidar dos detalhes, cuidar para que tudo acontecesse da forma mais respeitosa possível.
Nos dias anteriores, vivemos momentos intensos, cheios de significado, mesmo sem saber que seriam os últimos. Vitinho esteve com vários amigos, teve a oportunidade, ainda que inconsciente, de se despedir, de reforçar laços, de exaltar as amizades que tanto valorizava. Entre nós dois, também houve trocas bonitas, instantes preciosos que, olhando agora, sinto que formaram um mosaico de despedida silenciosa. Claro, nenhum de nós esperava que aquele seria o fim, mas, de alguma forma, parece que a vida preparou o caminho, deixando marcas de amor em cada detalhe.
Victor faleceu fazendo o que amava: andando de moto, sua grande paixão. Como esposa, eu jamais poderia aprisioná-lo ou impedi-lo de viver o que lhe fazia feliz. Ele não era um objeto ou uma criança que eu pudesse controlar. Ele era livre, e eu o amei em sua liberdade. Meu papel era estar ao seu lado, torcendo por ele, vibrando com suas conquistas, mesmo quando meus medos sussurravam baixinho dentro de mim.
Depois, veio a parte mais difícil. Contar para a Luiza foi um golpe que cortou minha alma. Nenhuma mãe quer dar uma notícia assim para um filho. A dor era imensa, para mim, para ela, para todos que amavam o Victor. O luto é uma experiência que só se entende quando se vive. É uma dor que queima, que pesa, que sufoca, mas que, ao mesmo tempo, revela a profundidade do amor que sentimos por quem partiu.
As festas de fim de ano foram estranhas. Depois de 20 anos, me vi atravessando essa época sem o companheiro que sempre esteve ao meu lado. A ausência dele ecoou em cada brinde, em cada música, em cada silêncio. Mas, naquele momento, fiz um pacto comigo mesma: eu seguiria em frente. Por mim, pelos meus filhos, pela vida que ainda pulsa em mim. Escolhi não cultivar a tristeza, não me deixar afundar. Ao invés disso, decidi honrar o Victor vivendo de forma plena, valorizando cada dia, reconhecendo que nosso tempo aqui, neste planeta, é temporário para todos — não apenas para ele.
2025 chegou, e seguimos. Um passo de cada vez, nos ajustando à ausência dele. Há dor, há saudade, mas há também um compromisso comigo mesma: viver, apesar de tudo. Escrever essa história, semana após semana, foi mais do que um exercício de memória — foi um ato de amor, um tributo ao Victor e ao que fomos juntos. Essas palavras agora ficam como um legado, não apenas para mim e meus filhos, mas para todos que nos acompanharam nessa jornada.
Gratidão a cada um que leu, sentiu e compartilhou desse espaço comigo. O ciclo se fecha, mas o amor permanece.
Aline Pereira é escritora em construção, mãe, e uma apaixonada por transformar o amor e o luto em poesia. Atualmente, compartilha as memórias de seu relacionamento de 20 anos e seu processo de reencontro consigo mesma.
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