Por Aline Pereira
Nesta coluna, compartilho os últimos meses ao lado de Victor, entre conquistas, desafios e despedidas. Recordo nossa rotina de viagens, o apoio mútuo em meus estudos, sua paixão por motos e a difícil despedida de seu pai. Momentos de felicidade e apreensão se entrelaçam, revelando o amor e a parceria que sempre nos uniram.
Em 2023, iniciei minha pós-graduação em Estética como um complemento à minha trajetória, movida pela minha sede de conhecimento. Victor me apoiou incondicionalmente, chegando a me levar até Goiânia para as aulas práticas quando necessário. Essas viagens eram especiais, momentos nossos, em que conversávamos sobre a vida, a existência, os sonhos. Ele sempre demonstrava todo o carinho e dedicação que podia me oferecer. Estávamos bem. Estávamos felizes.
No final do ano, em dezembro, Victor foi acampar com um amigo. Ele adorava compartilhar comigo cada detalhe dessas aventuras, e eu achava graça da forma como contava suas histórias. Luiza, por outro lado, sentiu muito a ausência dele. Durante a madrugada, chegou a acordar chorando de saudade. Mas eu sabia o quanto esses momentos eram importantes para ele. No acampamento, acabou sendo mordido por uma formiga e teve uma reação alérgica, mas nada disso o impediu de aproveitar o momento com o amigo.
Victor sempre foi muito dedicado e sensível, especialmente com os pais. Seu pai enfrentava uma doença crônica que se agravava a cada dia e, naquele período, estava novamente internado, desta vez em estado mais crítico. Quando Victor voltou do acampamento, recebeu a notícia de que o pai havia sido entubado e sedado, entrando em seus últimos dias de vida. Ele sempre foi um filho presente e amoroso, e, nesse mês de despedida, sua tristeza era visível. Ele visitava o pai constantemente na UTI, e eu o acompanhava, pois sempre tive muito respeito por Wander. Fazíamos orações, massagens, conversávamos com a equipe de saúde que o assistia. A cada dia, eu via no Victor a dor profunda da perda iminente.
No início de janeiro de 2024, o inevitável aconteceu. A partida de seu pai o deixou devastado, e eu sentia sua tristeza se aprofundar a cada dia. Fiquei preocupada, sem saber como ajudá-lo. Passamos algum tempo com as cinzas de Wander em casa até que, cumprindo um compromisso importante para Victor, viajamos até Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, cidade da família do meu sogro, para deixá-las próximas ao túmulo de seu pai e irmão. Foi um momento significativo, um ritual de despedida que trouxe uma sensação de conclusão e pertencimento. Estávamos lá com a mãe de Victor, Luísa e Pedro. Vivenciamos aquele ambiente carregado de memórias e ancestralidade. Foram dias de paz e reflexão antes de voltarmos para Brasília.
Naquele período, Victor ainda tinha sua BMW 880, mas a moto já precisava de diversos reparos, o que o deixava frustrado. Ele já estava decidido a trocá-la pela Africa Twin 1100, a moto dos seus sonhos naquele momento. No entanto, a espera pela fabricação e liberação do modelo se arrastou por meses, aumentando sua ansiedade. Ele estava disposto a buscá-la em qualquer lugar, o que me deixava apreensiva. Quando finalmente conseguiu fechar a compra em Goiânia, fiz questão de acompanhá-lo. Levei toda a família, até minha mãe, pois meu coração já carregava uma inquietação.
Eu sabia o quanto essa conquista o fazia feliz, mas também sabia dos riscos. A cada moto nova, a cilindrada aumentava, e ele já havia acumulado histórias de quedas e cirurgias. Ele nunca abriria mão dessa paixão. Em junho de 2024, me disse: “Ainda vou fazer uma nova viagem para Florianópolis este ano.” Minha resposta foi um sussurro de preocupação: “Que Deus tenha misericórdia de nós.”
Mas antes disso, fiz questão de estar ao seu lado. Acompanhei-o até Goiânia de carro e voltei seguindo-o com a moto. Mais do que apoiar suas escolhas, queria que ele soubesse que eu era sua companheira, sua parceira incondicional. Estaria ali, sempre ao lado dele, torcendo por suas conquistas, celebrando seus sonhos, apesar dos medos que me habitavam em silêncio.
Aline Pereira é escritora em construção, mãe, e uma apaixonada por transformar o amor e o luto em poesia. Atualmente, compartilha as memórias de seu relacionamento de 20 anos e seu processo de reencontro consigo mesma.
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