Por Socorro Camelo
Era para ser no dia 2 de fevereiro. Um dia marcado e esperado para encontrar o mar, para deixar as ondas levarem um pouco da saudade que insiste em ficar. Já estava combinado, sonhado, planejado, decidido.
O dia 2 de fevereiro, aquele em que Iemanjá recebe flores e a mãe faz aniversário. Mas ela não foi.
O mar, vasto e silencioso, sempre soube acolher o que as palavras não conseguem expressar. Nele, a saudade se dilui. O mar promete terra seca ao viajante exausto. Mas ela não foi.
Ninguém dança mais bonito que as ondas. Perto do mar ela é feliz. E ali tudo parece combinar com ela . Tem corpo de humano mas a alma inteira é de sereia.
Ela não foi ver o mar.
Não houve proibição, nem discussão. Apenas um sopro suave que desviou o curso do rio, uma maré que mudou sem alarde. Os quilômetros, o gasto, o esforço. Tudo dito com tanta suavidade que parecia bom senso. E talvez fosse, afinal. Talvez seja mesmo exagero, talvez um capricho. Um desejo pequeno demais para justificar tanto trabalho, tanta quilometragem, tanta despesa. Talvez fosse egoísmo.
Talvez.
Afinal, não foi uma ordem. Foi um convite ao bom senso. Um apelo silencioso para que ela fizesse a escolha certa. E ela fez. Disse que era melhor não ir. Disse com aquele sorriso sempre igual.
E assim, ficou tudo bem.
Mas há coisas que são ditas no silêncio. E nesse silêncio, tantas mulheres fazem escolhas que não são suas. Aprendem cedo que um desejo pode ser um fardo. Que um pedido pode soar como ingratidão. Que é melhor não insistir, porque o que é importante para elas será sempre supérfluo diante do que é essencial para os outros.
E seguem sorrindo.
No dia 2 de fevereiro, o mar vai continuar lá, sem ela. As ondas vão seguir. Talvez tragam flores, talvez tragam respostas. Ela ficou.
Ficou porque um pedido suave vale mais do que uma proibição. Porque um olhar desapontado pesa mais do que uma porta trancada. Porque é assim que acontece, dia após dia, decisão após decisão.
E a vida vai passando, como as ondas que vêm e vão.
E ela se pergunta se ainda há tempo de ser mar e não apenas margem.
Se um dia as ondas virão buscá-la ou se caberá a ela, enfim, aprender a ir.
Afinal, o Mar é logo ali.
*Socorro Camelo é jornalista e escreve neste espaço sempre que algo a toca.
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