Por Socorro Camelo
Hoje, aos 87 anos, Marina Colasanti deixou este mundo. E enquanto o luto se assenta, algo em mim resiste a aceitar que ela não está mais por aqui. É estranho perder alguém que nunca conheci, mas que sempre esteve comigo, como uma amiga silenciosa que me estendia palavras quando o dia estava nublado — ou mais brilhante. Assim como senti profundamente a morte do escritor querido Rubem Alves, sinto a de Marina. Eles sempre foram presença constante, feitos de papel, tinta e uma visão de mundo que não cabia em lugares óbvios.
Foram eles que me ensinaram que poesia não está apenas nos versos, mas nas entrelinhas do cotidiano. Que um suspiro pode conter mais verdade do que um discurso inteiro. Marina Colasanti esteve nos meus momentos mais difíceis, oferecendo refúgio em suas crônicas, mas também nos meus dias de pura alegria, me lembrando, com leveza, de que felicidade exige coragem. Como não amar alguém assim?
Ela tinha uma rara habilidade de transformar o trivial em eterno. Um poema dela era como aquela receita de bolo da avó: simples, mas carregada de afeto e memória. Mas não se enganem, Marina nunca foi uma poeta previsível. Entre suas palavras havia fúria, ironia e, acima de tudo, inteligência. Quem a leu sabe que ela não tinha paciência para bobagens, mas era generosa o suficiente para nos dar o melhor dela mesma, página após página.
E agora, saber que Marina se foi é quase como perder o chão de uma sala que eu pensava ser eterna. Resta, é claro, o consolo de seus livros. Eles ficam. Marina continuará a sussurrar em nossos ouvidos, mesmo sem estar aqui. Mas, confesso, já sinto falta da ideia de que ela poderia estar do outro lado da cidade, tomando um café e encontrando uma nova forma de nos surpreender.
Hoje, o Brasil perde uma de suas maiores escritoras. Eu perco uma amiga imaginária. E você, que talvez ainda não tenha lido Marina Colasanti, perde a chance de conhecê-la em vida. Mas ainda dá tempo. Comece com Eu Sei, Mas Não Devia, um título que por si só é a cara da Marina — irônico, provocador, cheio de verdades que, no fundo, já sabemos.
Marina, obrigada por tudo. Pela poesia, pela força e, claro, pela coragem necessária para atravessar a vida. O mundo segue, um pouco mais silencioso sem você, mas suas palavras ainda fazem barulho dentro de mim. Que sorte a minha ter sido sua leitora. Que sorte a nossa que você passou por aqui.
Socorro Camelo é jornalista e escreve neste espaço todas as vezes que algo a toca.
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