A ameaça havia rondado o prédio do Verkhovna Rada (Conselho Supremo da Ucrânia), em 22 de novembro. "A informação chegou por meio de nossa inteligência. Havia um relato de que o prédio do parlamento poderia ser atingido por bombas da Rússia. Tivemos que cancelar a sessão legislativa naquele dia. Não aconteceu, mas pode ocorrer no futuro", contou ao Correio a deputada ucraniana Alyona Shkrum.
Em visita a Astana, capital do Cazaquistão, onde participou da cúpula da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO, pela sigla em inglês), o presidente russo admitiu a possibilidade de atacar "centros decisórios" de Kiev com o míssil balístico hipersônico Oreshnik, capaz de transportar uma ogiva nuclear. "Não descartamos o uso do Oreshnik contra alvos militares, instalações militares-industriais ou centros de tomada de decisão, inclusive em Kiev", declarou Vladimir Putin.
"Não posso dizer que estou com medo disso. Vimos tantas coisas em três anos de guerra que, em algum momento, a gente se cansa de sentir medo o tempo todo", desabafou Skhrum. A preocupação imediata da parlamentar e dos 43,3 milhões de ucranianos é com os frequentes bombardeios contra a infraestrutura energética do país no início do inverno, que se estenderá até fevereiro. Ontem à noite, os termômetros de Kiev marcavam 1 grau Celsius. Na quinta-feira, a temperatura caiu para -5.
"Nesta quinta-feira (28), ficamos sem eletricidade por nove horas. Será um problema ainda maior quando o frio mais intenso chegar. Podemos ter até 15 graus Celsius negativos no inverno", admitiu a deputada. O blecaute afetou mais de 1 milhão de ucranianos, depois de um massivo ataque aéreo, na noite de quarta-feira (27).
Para Shkrum, Putin acredita que privar os ucranianos de eletricidade e de aquecimento no inverno os forçará a pedir ao presidente Volodymyr Zelensky que faça um acordo com o Kremlin. "Nós estamos cansados, mas ficamos cada vez mais irados com Putin para firmar qualquer acordo com ele. Você não concorda em pactuar com terroristas quando o bombardeiam, o matam e o fazem sofrer. Você só precisa prendê-los."
Escalada
Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, acusou Putin de promover sua "prontidão para matar e destruir", ao citar o míssil Oreshnik. "Putin quer escalar a situação agora para garantir que o presidente Donald Trump não consiga acabar com essa guerra", denunciou, por meio da rede social X. "Putin é o único responsável por essa guerra e o único que acredita nela. Sua atual escalada é nada mais do que uma estratégia de exercer pressão, para forçar o presidente dos EUA a aceitar os termos da Rússia, mais tarde."
Diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), Peter Zalmayev lembrou ao Correio que Putin tinha feito a mesma ameaça nuclear antes da invasão à Ucrânia, na manhã de 24 de fevereiro de 2022. "Na ocasião, ele prometeu utilizar armas nunca antes vistas. Putin está muito preocupado com a possibilidade de a Ucrânia atacar seu território mais internamente, o que minaria os esforços militares russos. Não posso garantir que Putin não utilizará esse armamento; ele provou ser capaz de fazê-lo contra a cidade de Dnipro", explicou. "Não sabemos quantos mísseis Oreshnik a Rússia produziu, nem conhecemos o potencial de nossas defesas aéreas de neutralizá-los."
Segundo Olexiy Haran, professor de política da Universidade Nacional de Kiyv-Mohyla, as ameaças de Putin representam uma violação de todas as leis e tratados internacionais assinados por Moscou. "No Memorando de Budapeste, está claramente estabelecido que a Ucrânia não pode ser ameaçada por nenhuma força, inclusive com o uso de armamentos nucleares, pois Kiev desistiu desse tipo de arma. O documento foi assinado, inclusive, pela Rússia", afirmou à reportagem, ao citar o texto que estabeleceu garantias de segurança para a Ucrânia, depois de a ex-república soviética aceitar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). "Além disso, seria o primeiro uso de arma nuclear desde a Segunda Guerra Mundial. Qual é a justificativa para isso?", questionou Haran.
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