Por Socorro Camelo*
Ouvi Chico Buarque pela primeira vez pelas mãos de um amigo, o Reginaldo Castela, que me apresentou a música "Roda Viva". Tinha 12 anos e meu coração solitário de ídolos foi fisgado de imediato. Desde então, as voltas da roda do Chico sempre me causam rebuliço. Letra, elegância e som em canções que parecem sempre ter existido. Sem falar que ele consegue traduzir em palavras os melindres da alma feminina.
E minha mãe? Achava que ele era desafinado! Mal sabia ela que os desafinados também têm um coração, né?
O boy patrimônio Chico Buarque, já estava decidido, iria me acompanhar vida afora.
No ensino médio, me joguei no teatro só para ser a gata dos Saltimbancos. Eu, que já trocava o nome de todas as protagonistas das canções de Chico pelo meu nome, como não ia querer ser a gata dos Saltimbancos?
Tímida até dizer chega, fui com medo mesmo e me vi (pasmem!) dançando e cantando. A performance não deve ter sido lá essas coisas, mas a idolatria, ah, essa só aumentou.
Levei as letras de Chico para as aulas de português e arrasei na redação com “Valsinha”. Já tinha meu coração, mas ganhou também minha mente crítica e poética.
Daí para frente, fui tentando ajeitar o meu caminho para encostar no dele. Dei muitas risadas com a versão dos Trapalhões para "Os Saltimbancos". Ao longo dos anos, sua música se tornou a trilha sonora dos meus momentos mais intensos. Ouvi e chorei com “Terezinha”, “João e Maria”, “A Banda”, “Cálice”, “Mar e Lua”, “Todo Sentimento”, “Olhos nos Olhos” e tantas outras…
Descobri que o amor amado devagar e urgentemente de “Todo Sentimento” era o mais lindo de todos. E quando já estava trabalhando como jornalista, não foram poucas as vezes que a situação política e social me lembrava a métrica das letras de Chico. Tão maravilhosamente sábio esse Chico.
A coleção de CDs, DVDs, revistas e livros cresceu, e a vontade de conferir de pertinho aqueles olhos de “comer fotografia” também. “No palco, na praça, no circo, num banco de jardim, correndo no escuro, pichado no muro. Você vai saber de mim”. Anos depois, em Fortaleza, tava nem acreditando! Ia ver aquele que tem um “je ne sais quoi” que deixa qualquer uma encantada. Uau! Presente de aniversário (thanks, marido!). Soube exatamente o que apaixona a gente nesse gigante da música, e não são só os olhos verdes (aí, aí...).
Meu ídolo maior da música, que desde que me entendo por gente sou fã, estava ali na minha frente (aí, meu pai!). Chorei, cantei, gritei, dei vexame… sou fã, né gente!
E Chico ali pertinho, com aquelas letras belíssimas, com a poesia, a lucidez, a resistência, as rimas sutis ou atrevidas…
Ah gente! A solidez de uma alma coerente é das coisas mais comoventes desse mundo, e alimenta meu coração inteiro de vontade de viver.
Bonitinho foi ver também a paciência do Cassiano, diante da louca desvairada que se apossou de mim ali. Vocês não têm noção. Se fosse o contrário, não sei se dava conta não.
Agora, uma coisa: fã desde os 12, me acho completamente no direito de reivindicar que os 80 merecem mais uma turnê de shows.
E eu, claro, estarei lá! Com sangue nas papilas, desafiando limites geográficos, amores líquidos, ilusões digitais e mais tudo que é coisa que não sei explicar “porque era ela e porque era eu”. E te garanto: depois de ouvir Chico Buarque (com seus olhos de mar), o mundo sempre fica mais bonito.
Mas se ainda assim o destino insistir em nos separar… ah, danem-se os astros, os signos, os dogmas, os búzios… Porque vou contar um segredo aqui: no último show, assisti quase todo do fundão, mas resolvi agir duas vezes antes de pensar… Fui lá para frente na última música e grudei na beira do palco. Ele passou bem pertinho e eu juro que deu um sorriso daqueles generosos pro lado que eu estava. Juro, gente!
Ele veio, cantou, encantou e foi embora, mas ficou!
Ah, Chico, que bom que você existe! E que é exatamente o que imaginei!
Fica igualzinho assim, para sempre, viu?
*Socorro Camelo é jornalista e escreve neste espaço.
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