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“A mulher acreana na literatura”

Em meio ao discurso marcadamente masculino, a escrita da mulher - abafada, ignorada, durante séculos, como a própria mulher esquecida e silenciada - é resgatada diante da necessidade de registrar a história, sob outros olhares e novos ângulos

13/03/2024 às 08h08
Por: Redação Fonte: Acreaovivo.com
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 “A mulher acreana na literatura”

Por Edir Figueira Marques

Não há como falar deste tema, sem se debruçar sobre a enorme contribuição de nossa confreira Margareth Edul Prado Lopes, com sua pesquisa de dissertação de mestrado que resultou na obra intitulada AS VOZES FEMININAS DA FLORESTA.

Em meio ao discurso marcadamente masculino, a escrita da mulher - abafada, ignorada, durante séculos, como a própria mulher esquecida e silenciada - é resgatada diante da necessidade de registrar a história, sob outros olhares e novos ângulos.

Lopes vai buscar como publicação mais antiga, já no século XX (até porque antes o Acre não existia na geopolítica brasileira), a carta da escritora Zuleida Azevedo para a poetisa Zulina, em 1913, e sua resposta, duas semanas depois, além de textos e poemas publicados no jornal Correio do Povo. Essas produções esporádicas acontecem até 1927. Depois um longo silêncio, ressurgindo com mais força nos anos 80, com a nossa Bruxinha, confreira Francis Mary e Fátima Almeida que dirigiram o primeiro caderno cultural da imprensa acreana, no jornal A Folha do Acre. Francis Mary tem o mérito de ter publicado o primeiro livro de poesias, mimeografado, de autoria feminina, o AQUIRI, em 1982, único livro que registrou as lutas do povo da floresta na década de 1970 e, logo depois, GOTA A GOTA, também mimeografado, em 1983.

Na década de 90, surgem os dois primeiros romances: O EMPATE, de Florentina Esteves e TERRA DE DEUS, de Luciana Barbosa Nobre, este também publicado em Londres, na língua inglesa. Além dessas, neste período, Terezinha Migueis, Robélia Fernandes, Marta Mota, Leila Jalul, Raimunda Rocha fazem sua estreia na literatura.

Em 1996, Keilah Diniz publicou um livro de poemas com temas indígenas, produto de seu trabalho com os índios kaxinauás, na companhia de Concita Maia, a convite de Terri Aquino. No poema “Fortaleza dos kaxi”, Diniz imprime o viés político da conscientização sobre a exploração dos povos originários, como se pode perceber nos versos:

Não quero mais o cabresto

Dos tempos do cativeiro

Sei que essa terra é nossa

Pra fora, maldito grileiro.

Só ao final da década de 80, que surgem as antologias literárias, como a Antologia dos Poetas Acreanos, de 1986, pela FDRHCD; “Fragmentos da cultura acreana”, organizada por Iris Celia Cabanellas, e “Acre: prosa e poesia – 1900 a 1990”, por Laelia Rodrigues, ambas publicadas em 1998.

Esta, “As vozes femininas da floresta”, organizada por Margareth Edul Prado Lopes, foi a primeira exclusivamente feminina, com temas sobre o Acre ou a mulher e as relações de gênero, em 2008.

Em nível nacional, nenhuma das antologias brasileiras que resgatam a produção feminina desde o século XIX até o início do século XXI, registraram escritoras que viveram no Acre, evidenciando nosso isolamento cultural que só recentemente está tendo alguma participação em âmbito nacional e internacional. Daí a importância de instituições culturais voltadas para a literatura, como nossa AAL, AJEB e SLA.

Lopes sustenta que foi com o surgimento da Universidade Federal do Acre que se abriu o leque de possibilidades de produção da literatura feminina, com histórias temáticas de vida, família, amor, fazendeiras, empresárias, loucas e bruxas, prostituição, enfermeiras, empregadas domésticas.

Dentre os 25 verbetes femininos publicados por Lopes, escolhidos entre mais de 40 autoras, vale destacar mais uma confreira da nossa academia, a poetisa e escritora Cecilia Ugalde, ao lado de outras sete autoras que fizeram ou que fazem parte de nosso sodalício.

São poemas que retratam, com alta sensibilidade, os sentimentos de angústia da “mulher criada dentro dos padrões de sacralização da vida familiar e da modernidade”, e que muitas vezes até reagem contra a modernidade e o movimento feminista, como no poema de Clicia Gadelha intitulado” Minha infância”, segundo a análise de Lopes.

Há também poemas de amor, de cunho social, de caráter histórico e documental da vida cotidiana e de exaltação ao Acre, à natureza.

Iris Celia Cabanellas Zannini escreveu um livro de história infantil, em 1999, o primeiro que se tem notícia. E Karla Martins é autora de uma peça de teatro, em 2008. Leila Jalul estreou em 1997 e voltou em 2007 com deliciosas crônicas, reunidas em dois livros, além de poesias.

É também no século XX, precisamente em 1970, que, após a 1ª reunião  da Associação Mundial de Mulheres Periodistas e Escritoras, no México, em que a única brasileira que participou daquela reunião -  Hellê Vellozo Fernandes -  voltou entusiasmada com a ideia de criar uma filial no Brasil, numa época em que a mulher lutava por seu espaço na literatura e em outros setores da sociedade. E assim surgiu a AJEB, que, em 1974, se tornou autônoma e funciona, ininterruptamente, já tendo completado quase 54 anos de existência com coordenadorias em 22 estados. A AJEB é uma instituição estritamente feminina, reunindo, incentivando o aperfeiçoamento e a produção literária, e a união nacional e internacional das escritoras e jornalistas, sob o lema A PERENIDADE DO PENSAMENTO PELA PALAVRA. Hoje está claro que a AJEB promove a visibilidade da escrita feminina, diante de um universo predominantemente masculino.

A presidente nacional da AJEB, atualmente, é a escritora e jornalista Renata Dal Bó, com sede em Santa Catarina.

A nossa coordenadoria estadual foi criada em 2018, contando atualmente com 40 associadas, tendo como presidente a jornalista e escritora Socorro Camelo.

A AJEB-Acre promoveu, divulgou, participou de encontros nacionais e lançou obras de nossas autoras acreanas não só aqui, como em Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Fortaleza. No momento, organiza sua primeira antologia feminina.

E, por fim, é imperativo registrar a escritora xapuriense Luciana Barbosa Nobre que brilhou no Rio de Janeiro, ao se casar com Francisco da Silva Nobre e lá participou ativamente das academias literárias na década de 1993 até falecer. Foi autora do livro em língua inglesa “God´s land”, depois versado para a língua portuguesa, “Terra de Deus”, em que a autora relata a obsessão do seringueiro nordestino de “enricar” e voltar para sua terra, passando pelo drama da traição e da defesa da honra, num ambiente inóspito de raras e cobiçadas mulheres. Em poema de cordel intitulado O Acre uma terra de heróis, com quarenta e sete estrofes de sete versos, narra a epopeia dos imigrantes nordestinos desbravadores da floresta amazônica e a saga dos seringueiros na defesa das terras acreanas. Luciana foi membro correspondente da Academia Acreana de Letras no Rio de Janeiro. Por tudo isso é a nossa patronesse da AJEB-Acre.

Hoje, podemos dizer que a literatura feminina floresce e se desenvolve, encontrando na Academia Acreana de Letras, na Sociedade Literária e na Associação das Jornalistas e Escritoras do Brasil – coordenadoria Acre, o espaço democrático para se projetar em igualdade de gênero, na produção cultural, tendo em seus quadros 21 mulheres entre 35 homens na AAL, 14 na SLA e 40 na AJEB-Acre que já se expande em Brasília com 4 membros correspondentes, e uma em São Paulo escrevendo, publicando e divulgando nossa cultura.

O trabalho de pesquisa de Lopes precisa ser atualizado em forma de catálogo ou dicionário para registro e perpetuação para a posteridade desta produção que dia a dia cresce e se expande, deixando claro que não brilhamos menos que os demais, seja quanto ao gênero, como em relação aos demais estados brasileiros. E que as pioneiras escritoras e jornalistas merecem nossas homenagens, por terem rasgado varadouros que se abrem em grandes avenidas a desemborcarem em floridas e largas praças!

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