A mulher ideal

Por Giselle Moraes

Vocês conhecem a Emily? Uma modelo de 23 anos, linda, com cara de menina e corpo espetacular. Como diz uma amiga minha: tão perfeita que chega a dar raiva! Não viu o perfil dela? Para a leitura. Vai lá! @emilypellegrini. Eu deixo.

Deu uma espiadinha? E as fotos? Roupas? Cabelos? Make? Poses sensuais? O número de seguidores? E as propostas? De iates na Grécia à jantares em Dubai. A Emily é um sucesso e está, somente, há 4 meses nas redes sociais.

E daí, existem vários perfis assim nas redes sociais, porque estou aqui falando exclusivamente da Emily? Talvez seja um perfil fake, existem tantos. Afinal acreditar no mundo fantástico das redes é sempre perigoso. Temos vários exemplos e histórias pelo mundo a fora. Mas, a Emily me chamou a atenção, pois não é um perfil falso, ele existe. Foi concebido por um programa de Inteligência Artificial.

O grande diferencial, uma mulher linda e admirada, criada através do Chat GPT, segundo o seu criador, que prefere não se identificar aos veículos de comunicação, ele fez a seguinte pergunta ao Chat: qual é a garota dos sonhos de um homem comum? E assim nasceu a Emily.

A discussão sobre as questões éticas e morais da utilização da inteligência artificial está em todos os níveis entre a publicidade e a ciência. Vários pontos são destacados e abrange diversas realidades. Não venho abordar o uso da IA, e sim, o padrão da mulher ideal no mundo hoje.

Em plena era da inteligência artificial somos uma vitrine e rotuladas na perfeição do estereótipo da mulher “gostosa” e cheia de curvas. Um parâmetro desafiador para as mulheres da minha geração. Afinal, nos é “permitido” envelhecer e a comparação, até certo ponto desleal, da citação que diz: “hoje, as mulheres de 50 são as antigas mulheres de 30”. É um peso.

Entendo que isso nasce da concepção atual, somos mulheres de 50+ cheias de vitalidade, sonhos e perspectivas. Mas, temos 50+, e eu tenho a maior alegria em falar a idade e acrescentar que estou plena e com uma vontade enorme de viver. Vivi minhas três décadas, foi uma fase e já passou. A mulher que sou hoje vale por duas de 30?  Desde que eu tenha aprendido o caminho de viver com plenitude e maturidade, doce presente dos anos vividos.

Emily faz refletir, do imaginário ao mundo real, da ilusão para o cotidiano e do quanto ainda vivemos presos a um modelo da beleza feminina. Remexeu os botões do incômodo feminino que habita em mim, “a garota dos sonhos de um homem comum”. Amo os desejos que nascem dos sonhos, a fantasia motiva a vida, com a distinção do real e do perfeito inacessível, conferindo as portas da frustração.

Vestir uma roupagem desconfortável, para um encaixe moldado pelo sistema, escravo de uma beleza condicionada por padrões estabelecidos. Questionando o belo, ou onde encontro o belo, algo tão subjetivo e individual. E me vem na mente o modelo da raça ariana, estamos então criando uma forma superior da beleza feminina? Me parece mais próximo de um sistema prisional constituído de regras e modelos limitantes.

E nada contra a vaidade, o cuidado pessoal e a energia feminina poderosa que envolve, seduz e cria fantasias. Faz parte do nosso universo, sempre digo: uma mulher de salto alto não quer guerra com ninguém, pois ela está na sua plenitude de Diva. Mas, nunca desfavorecer um belo chinelinho cravado de boas intenções e vestido de ideais.

Entender nossa posição no mundo, de tantas batalhas vencidas e de uma rotina desafiadora, sem que para isso sejamos aprisionadas a um figurino centrado na harmonização facial de uma boneca de luxo. Este conceito nos impede de viver nossa verdade autoral, seja de cabelos lisos ou afros, nosso corpo simétrico ou redondinho, nossas rugas e a experiência que nasceu com cada linha traçada em nosso rosto. 

Vamos entender o conceito da Emily, uma fantasia machista ou misógina, centrada na objetificação sexual das mulheres, pois quando entra no círculo perigoso do desejo frente ao corpo feminino e ao julgamento diante da postura da mulher, enveredamos por caminhos obscuros, representado na fala: “ela pediu por isso”, “estava quase nua”, “não se dar o respeito”.

Controverso o caminho percorrido, entre o certo e o errado, precisamos nos colocar na avenida, munidas no respeito e na decisão de ser. E não depender do julgamento alheio, diante do caminho escolhido, esta é a nossa melhor harmonização, diferente da facial, é aquela que nos liberta e nos conecta com as experiências e com tudo aquilo que nos representa, em nosso eu feminino mais intenso e visceral.

Então, vocês conhecem a “Emily”? Uma mulher que vive a sua idade, representa suas ideias, veste sua roupa mais confortável, senta na mesa de um restaurante e com a elegância que predomina pede a sua bebida preferida. Ah, ela viaja sozinha, muitas vezes e adora conhecer pessoas, ri de suas próprias inseguranças e segue sempre, pois seu caminho é feito com alicerce firme e rótulo ela só identifica os que estão nas prateleiras dos supermercados.

Escuto ao longe, uma gargalhada sedutora. É esta mulher que vejo no espelho.

Uma pequena observação ao final deste artigo, fui dar uma última conferida no perfil da Emilly, e adivinhem? A página, ainda existe, mas está em “SOON”. Será que retorna ou o algoritmo se sentiu enganado pela mulher ideal?!