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A baleia | Por Talita Montysuma

Sabe quando parece que estamos em stop motion? – Interessante usar essa palavra que em tradução literal é movimento parado, um contraditório tão Real

06/11/2023 às 11h48
Por: Denis Henrique Fonte: Acreaovivo.com
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A baleia | Por Talita Montysuma

Ando com uma dificuldade tremenda de escrever, como se um vazio lento tivesse tomado conta de mim. Sabe quando parece que estamos em stop motion? – Interessante usar essa palavra que em tradução literal é movimento parado, um contraditório tão Real – Esse movimento-parada que dá na gente quando estamos em processo de elaboração de vida, dos caminhos... Ainda não sei responder se talvez esse cansaço seja a energia gasta em me movimentar parado – imagem na minha cabeça é de uma máquina de relógio em que a engrenagem está com algum obstáculo e o tempo não corre direito, a sensação é sempre de contra tempo.

Dentro desse vértice de elocubrações e elaborações, fui assistir ao filme A Baleia (The Whale) para dar uma aliviada na alma e dali pra frente, foi só para trás. A partir de agora, por sua conta em risco, aviso que um, terá spoilers do filme e dois, entrarei no cerne de uma questão delicada que, por incrível que pareça, é um mecanismo de defesa psíquico e que nos faz sofrer chamado culpa.

Bom, comecemos pelo filme, que é uma adaptação de uma peça, então tem poucos personagens, mas todos extremamente complexos; um único local, uma casa e, na maior parte do tempo, sua sala de estar; seu personagem principal é um professor de literatura com obesidade grau III, oque significa não conseguir sair de casa e tee baixa mobilidade, suas aulas são feitas online com a câmera desligada.

O filme relata o fim do seu plano suicida, digo que é suicida, pois fica claro que a negligência com sua saúde em relação as comorbidades por conta do seu peso é de forma consciente, é inclusive o motivo de uma discussão com sua melhor amiga, que é enfermeira e que faz os cuidados paliativos. Mas a gente fica pensando, qual o crime cometera para que sua pena fosse essa morte lenta?

Podemos pensar aqui em duas situações em que a culpa se mostra: a relação com sua filha adolescente, que na visão da mãe foi cuidada apenas por ela desde os oito anos quando Charlie (esse é o nome dele) encontra um novo amor. Na cena em que isso fica claro os três estão na praia, sua filha com oito anos, sua ex-mulher e ele olham o mar feliz, e é essa cena que ele carrega como marca fantasmática e também é à última vez em que ele vê as duas.

Por ter sido trocada por outra pessoa, a mãe de Ellie (a filha) o proíbe de vê-la e ter qualquer tipo de contato, penso que a culpa que Charlie carrega é de justamente não ter lutado pelo direito de participar da história de vida da sua filha, vejam bem, não foi uma escolha dele não querer ver a filha, ele apenas aceita a imposição de alguém magoado e ferido. E aqui teremos mais uma pessoa que terá seu fantasma da culpa para chamar de seu – A mãe! Tanto que acha que a filha é má por conta dela e essa fantasia contribuiu para que perpetuasse a decisão de exílio de amor entre pai e filha por medo de ser julgada por Charlie, que amorosamente acolhe sua dor.

A Outra culpa que Charlie carrega é a do fim do seu amor, sim ele é viúvo, ele “abandona” – entre aspas porque ninguém abandona ninguém e ninguém é obrigado a viver com ninguém. O amor da vida do nosso querido professor era um aluno seu que viveu uma vida para o sacerdócio de uma religião neopentecostal, viajando pelo mundo espalhando a palavra de Deus, e quando se vê na encruzilhada da premissa crescei e multiplicai, larga tudo e vai viver seu amor com o doce (sim, Charlie é o ser humano mais doce que “conheci” seu olhar é doce, a fala é doce, um querido).

Alex, o namorado tomado pela culpa, se suicida quando não dá conta de sustentar a culpa por escolher um homem encarnado a um homem fantástico e cheio de promessas, isso reverbera talvez na culpa muito comum das pessoas acometidas por essa tragédia de se perceber insuficiente para salvar alguém, é como a gente perceber que nunca teremos o poder do homem fantástico (Deus) e sempre seremos a tentativa de alguma coisa, e como não sentir culpa por se sentir traído quando seu amor o troca pela morte?

Depois de assistir todas essas marcas da culpa, que vêm desde os primórdios de Caim e Abel e faz parte da nossa condição humana, pensei nas minhas e de como é difícil sermos acolhedores com nós mesmos quando estamos nos sentindo culpados, de como somos violentos com a gente e com o outro quando estamos culpados e ficamos cegos e colocamos penas impossíveis de pagar. Mas se em algum momento dermos um passo para atrás e conseguirmos olhar as situações pela via da responsabilidade e não da culpa. nos damos a possibilidade de reparação, perdão, ressignificação, superação e tudo que o por vir nos permitir e as consequências ficam mais fáceis de serem carregadas.

Em relação à minha culpa, penso que estou ressignificando, voltei a escrever....

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