Por Golby Pullig*
__ Quando?, perguntei à escritora durante a entrevista. Paciente, como se tivesse encontrado um novelo emaranhado e se dispusesse a desembaraçar, sem perder a calma, respondeu:
__ Ah, um dia! Eu, por exemplo, comecei depois dos filhos crescerem...
Ouvi em parte o desfiar da trama tecida em muitos “depois de”. A outra parte de mim saiu costurando pensamentos em retalhos de momentos futuros que chegariam “um dia”, ora me posicionando para ouvir ora absorvendo esse vagar do tempo incerto que viria a preparar o momento “certo”. Pareceu-me um intervalo tão distante daquele agora que o peso da imprecisão do relógio pendeu sobre a minha cabeça compelindo-a para o lado direito, a partir de onde apoiei o meu olhar inclinado e desdenhoso. Como escrever um livro pode se encontrar com o sonho de alguém?
Sobre escrever não há o que dizer. Não sei escrever. Escrevo. Sem estética ou literatura encharcadas de previsibilidade. É água. Às vezes maré, às vezes rio que corre, às vezes chuva, às vezes poça, em outras poço. Talvez haja o que não dizer e não digo: é retórica! Não se constitui de técnica, ou de regras, ou ousa exercer ação de convencimento. A escrita, essa minha pequena escrita frouxa e fraca, minha boia, minha claraboia, não insiste em convencer, apenas em desconstruir a mim mesma – como Sísifo levando sua grande pedra montanha acima – das certezas que perfazem meus dias de antes e de depois de.
Deveria ter perguntado mais sobre o ofício da escritora que naquele dia me doava sonhos como quem corre contra o tempo, como quem sabe a urgência de revelar um segredo que pode salvar alguém de um mau passo. Esse tempo de cada coisa mói a alma da gente. Fiz o inverso. “É o suficiente”, determinei o fim da entrevista e da generosa doação, atordoada que estava com a rudeza da realidade que abastece o fazer literário: não há poesia na superfície que se possa encontrar assim, facinho. Carece trabalho duro, amargura, profundidade, carece de uma felicidade consciente, silêncio, observação...tempo. Não se escreve um livro na distração das horas. Não as mulheres. O texto não acaba no ponto final.
* Golby Pullig é professora de língua portuguesa da rede pública de ensino, jornalista, revisora de textos, pesquisadora das palavras. Ama a Deus criador, poemas, pôr do sol e a aventura de viver. Mãe de dois.
Mín. 21° Máx. 30°